Uma corrente de interpretação, menos comprometida com os dilemas contemporâneos do judaísmo e tributária de um aporte teórico culturalista a respeito das relações entre os distintos sistemas religiosos no Império Romano, sugere que a hostilidade crescente para com os judeus não deve ser interpretada como um equívoco, fruto de uma avaliação errônea dos cristãos acerca do judaísmo, mas como um processo histórico indispensável para a própria definição do cristianismo.[...]David Flusser, um dos mais eminentes especialistas em História do Judaísmo, no terceiro volume da sua trilogia O judaísmo e as origens do cristianismo, lançada em 1988, conclui o seguinte a respeito da separação entre ambas as religiões: "Talvez a tensão entre cristãos e judeustenha sido um dia historicamente necessária para o desenvolvimento do cristianismo como uma religião diferente, independente.Dever-se-ia admitir que o antijudaísmo cristão não foi um erro que aconteceu por coincidência. O antijudaísmo apadrinhou a formação do cristianismo". [...] Desse modo, no decorrer de um formidável processo de "pilhagem" cultural, a Igreja passaria a se autoproclamar o Verus Israel, passando os cristãos a deter a primazia como "novo povo eleito" em substituição aos judeus, aos quais se atribuía agora a infâmia do "deicídio".Um pouco dessa história e dos argumentos empregados por Justino para consolidar a identidade cristã eao mesmo tempo construir esse "Outro" absolutamente necessário à Igreja antiga que foi o judeu vencido e humilhado é o que o leitor encontrará nas páginas a seguir. Nelas, Juan Pablo explora com rigor e método, é certo, mas também com singular criatividade, o pensamento de uma das figuras de proa do paleocristianismo, travando com a obra de Justino um diálogo crítico-histórico que, escapando das armadilhas de uma leitura teológica do tema, é hábil o suficiente para desvelar as relações de poder que cercam o Diálogo com Trifão, um dos textos fundadores do próprio cristianismo como religião distinta e oposta ao judaísmo.