Em tempo de euforia migratória estimulada pela miragem do ouro do Brasil, muitos portugueses dos ofícios da construção optaram pela aventura, na esperança de melhores dias para as suas vidas. Não partiam de mãos vazias. A primeira ferramenta de um artífice inteligente é o seu caderno de modelos, memória segura da aprendizagem possível, guia para o entusiasmo de fazer bem para ganhar estatuto na profissão. António Francisco Lisboa nasceu no Brasil, filho natural de um desses emigrantes. Herdou do pai o jeito para a talha e o sentido da criação das formas. Inteligente, teria até frequentado lições de latim e lia a Bíblia. Com perto de quarenta anos, na força da vida e já senhor de um notável prestígio de artista, sofreu de uma doença que lhe foi destruindo o corpo ao longo dos restantes quase quarenta que ainda suportou, até que se finou paralítico e cego. Interrogamo-nos sobre como foi possível a um homem que nunca viajou para o outro lado do Atlântico nem frequentou a sabedoria dos tratados da arquitectura europeia, atingir um tal grau de refinamento como geómetra, dominador dos princípios mais subtis da composição das formas barrocas com um nível de encanto que o coloca mais próximo da linha de Borromini do que qualquer outro arquitecto, por mais culto e europeu que procuremos.