Um olhar atento para a história da filosofia moderna, a partir de autores como Hobbes, Locke, Condillac e La Mettrie, revela que ela trouxe consigo uma descoberta e um projeto. Trata-se da revelação do homem como naturalmente dotado de um conflito autodestrutivo, mas igualmente de uma possibilidade artificial de autoconservação, explicita na noção de Estado, por exemplo. Compartilhando a descoberta, mas alterando seu projeto, Sade, por meio da Orgia, radicalizou as teses do empirismo inglês e do materialismo francês, por exemplo, o ateísmo e a indiferença moral, mas, sobretudo o desprezo pela conservação da vida. A seu turno Sade compreendeu a natureza humana sem pressupostos, brechas ou pontos de fuga para coisas como a liberdade, o progresso moral e social e a conservação da vida, posto que a condição humana foi por ele desde sempre fundada na submissão à sensibilidade, especialmente quanto à sua finalidade de produção de prazer ilimitado. Nestes termos, ofereço neste livro um quadro explicativo das condições de possibilidade do pensamento e da obra literária de Sade, especialmente quanto ao estatuto que o conceito de prazer recebeu dele. Deste modo, sustento a tese de que Sade foi um herdeiro infiel, com a intenção de dizer que a levou às últimas consequências, da filosofia moderna, particularmente do materialismo francês, além de um precursor da física entrópica, da segunda lei da termodinâmica, uma vez que, como ela, o mundo que prenuncia será um dia inexistente.