Um ex-editor de sucesso caído em desgraça, na casa dos 60 anos, sobrevive fazendo tradução de livros baratos, à cota de 10 páginas por dia. Uma bela e jovem garota de programa, de passado misterioso, dedica-se a bater pernas entre a Avenida Prado Jr. e a boate Help, em Copacabana, movida a substâncias ilícitas. O encontro de sair faísca entre os dois personagens é o ponto de partida do romance Só por hoje, de Julio Ludemir, autor que faz sua estreia na Rocco na esteira de uma bem-sucedida carreira dedicada a livros que unem ficção e reportagem, entre os quais se destacam Rim por rim (2009), O bandido da Chacrete (2008), Lembrancinha do Adeus (2004), Sorria, você está na Rocinha (2004) e No coração do Comando (2002). Em Só por hoje, há muito mais que uma simples e improvável história de amor. Com linguagem despojada, por muitas vezes até brutal, com frases diretas e total ausência de lirismo de fachada, a ficção de Julio Ludemir - calcada na realidade mais crua - propõe discussões a fundo, sem deixar de entreter o leitor com um enredo cheio de reviravoltas e suspense a cada fim de capítulo. A temática que salta aos olhos aborda o problema da adição às drogas, cocaína principalmente, a começar pelo título do livro, uma referência ao mantra dos viciados que tentam manter-se longe da tentação. Tony Coelho, o ex-editor, é um dependente químico em recuperação, cuja abstinência já dura 15 anos. Ele sabe que, em caso de uma recaída, teria uma overdose na certa. Tony costuma dizer: "A dependência química é a doença do ainda. Você pode ainda não ter sido presa. Você pode ainda não ter tido uma overdose. Você pode ainda não ter contraído uma doença incurável. Mas pode ter certeza que é uma questão de tempo." Uma de suas maiores distrações é ler Gabriel García Márquez, não apenas a obra de ficção do autor colombiano Prêmio Nobel, como também seus livros de reportagem. Deles, retira sempre um ensinamento. Mas nada pode fazer depois de se envolver com Laís. Além da forte atração sexual, Tony sente-se na obrigação de ajudar a prostituta que vende o corpo nos inferninhos para poder frequentar as bocas de fumo instaladas nas favelas de Copacabana. Seguindo o décimo segundo e último passo do programa da Narcóticos Anônimos - aquele que reza "Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos, procuramos levar esta mensagem a outros adictos" - ele resolve dar abrigo e tratar da garota em seu apartamento da Prado Jr. É apenas o início das confusões, ao longo das quais o narrador-protagonista vai repensar sua trajetória de vida e, mais uma vez, pôr-se em xeque diante dela. Os acontecimentos se sucedem em rimo alucinante. Num longo Sábado de Aleluia, Tony tem a porta do apartamento arrombada pelo padrasto de Laís, negocia com traficantes a devolução de seu computador, envolve-se numa espécie de luta livre no pátio do Pinel, volta a viver a sofrida experiência de um reunião da Narcóticos Anônimos e, por fim, descobre que seu celular está vigiado. A grande cena trágica final, reunindo mais alguns personagens ligados à vida pregressa do protagonista, vai desenrolar-se entre as quatro paredes de uma pousada em Búzios. Ao flagrar um momento de tensão e acerto de contas de um homem com seu passado, o romance aproveita para tocar em outros temas além do consumo de drogas. Só por hoje é também um livro sobre o desejo e as formas perversas de sua manifestação. E sobre a amizade e o seu reverso da moeda, a traição.