Intradoxos é uma poesia profundamente inovadora. Parte de um profundo conhecimento da tradição/ortodoxia para se poder confrontar consigo mesma com uma inocência inaugural própria de quem só chegou agora (tarde?) e apenas sabe que está suficientemente dentro de si para poder iniciar a caminhada. É um começo que não termina, e só começa quando se esquece de que é um anacíclico ovo. Afinal, só o poeta tem o privilégio de circundar o vazio de dentro para fora. A poesia constrói-se dizendo o nada dos seus objectos, já que os objectos são indivisíveis. O próprio poeta desaparece no que se torna um outro de si: je est un autre (Rimbaud). Mas Márcio-André não se conforma em desaparecer sem obrigar o objecto a expor-se, uma exposição que é sempre uma explosão. É, pois, uma voz nova que vive intensamente a violência da cultura, desde o gregos até aos nossos dias, sempre na esperança de nada ser irreversível por nunca ter começado. Ou ser eterno, o que é próprio da poesia. Por isso o funeral é um hino à imortalidade. A poesia de Márcio-André é uma luta permanente com a língua. O seu experimentalismo não é abstracto (ou seja, concretista), é antes a sua maneira de interpelar uma tradição asfixiante e ao mesmo tempo vazia. A língua é também as formas da tradição. O poeta des-inventa-as, parodia-as, mas sabe que elas o formam, tanto quanto o sonho nos sonha a nós. A partir de a Máchina de dimensões, o poeta atinge a plenitude da sua criação, isto é, define o lugar da sua sabedoria de poeta: serena e aforismática no meio das ruínas da língua e dos grafismos. A poesia como um day after redentor.