Como povos tão afastados, do sul ao norte das Américas, puderam elaborar narrativas míticas que se conectam em tantos pontos? Neste quarto e último volume das Mitológicas, publicado originalmente em 1971, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, falecido em 2009, se debruça sobre os detalhes estruturais da mitologia do noroeste norte-americano, encontrando nela elementos semelhantes à mitologia de todo o continente. Entre as populações estudadas neste volume, encontram-se mitos como aquele que conta a história de um herói nu, preso no topo de uma árvore ou penhasco, coberto por uma longa cabeleira. Esse motivo ecoa a narrativa do desaninhador de pássaros, herói do mito bororo que o autor tomara como referência no início de O cru e o cozido. Reaparecem, transformados, os temas do incesto, da afinidade e da passagem da natureza para a cultura. Nessa imagem, a cabeleira, uma vestimenta natural, se opõe às roupas manufaturadas, como o cru se opõe ao cozido nas narrativas do primeiro volume. Do Brasil Central à Colúmbia Britânica, o problema da continuidade e da oposição entre natureza e cultura se mantém, sujeito à passagem do código alimentar ao código do vestuário e dos adornos. No amplo trajeto percorrido pelos quatro volumes da série, uma lógica subjacente ao pensamento ameríndio se revela, graças à análise estruturalde um conjunto de mais de oitocentos mitos. As transformações nos modos de expressar problemas indígenas fundamentais aparecem em motivos que fascinam o autor, como a mitologia da gemelaridade, da ambiguidade e da afinidade, o cromatismo, o "desequilíbrio perpétuo", a "boa distância", enfim,uma mitologia dedicada a elaborar intelectualmente a relação entre o contínuo ligado à natureza e descontínuo introduzido pela cultura. No Finale, uma espécie de epílogo das Mitológicas, Lévi-Strauss explicita sua posição teórica, respondendo a seus críticos com sofisticação e sarcasmo. É a primeira vez que o leitor brasileiro tem acesso à íntegra desta obra monumental sobre o pensamento indígena das Américas, que com Lévi- Strauss passa a fazer parte do horizonte do pensamento filosófico ocidental.