Já houve época na qual a desconsideração da personalidade jurídica foi instituto estranho ao Direito de Família, tornando muito difíceis e pouco esperançosas as partilhas judiciais dos bens conjugais usualmente vertidos para empresas que se tornavam titulares dos bens de evidente uso do casal em processo de separação. Com o decorrer dos anos, a ideia de aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, em sua versão invertida, às partilhas do acervo conjugal foi ganhando espaço graças à doutrina especializada e a uma corajosa interpretação jurisprudencial, contribuindo estas fontes de criação do direito para a construção de um sólido mecanismo processual, capaz de conduzir as partes em liça a uma justa divisão do seu patrimônio comum e viabilizando um efetivo expediente de célere solução das desavenças materiais tão comuns e morosas nas separações judiciais. Entretanto, a utilização episódica da desconsideração da personalidade jurídica, que se tornou texto de lei com o advento do vigente Código Civil, resolve apenas em parte os litígios existentes em todo o raio de atuação do Direito de Família e do Direito das Sucessões, posto que nem todas as pessoas se utilizam de um ente jurídico como interposta pessoa, sendo até bastante comum nos depararmos com a fraude à partilha, aos alimentos e à legítima hereditária quando consolidada com a intervenção de interpostas pessoas físicas. Para esta manipulação, a formulação da disregard tem sido uma viável e expedita fonte de inspiração. Esta é a proposta deste livro, no sentido de mostrar que a desconsideração da interposta pessoa, quando a serviço da fraude aos direitos provenientes das relações de família, em nada difere se o chamado testa de ferro for pessoa jurídica ou pessoa física, eis que o direito não pode fazer essa distinção.