O livro é uma revelação comovedora, uma síntese entre imagens, histórias, memórias, um vasculhar de recônditas lembranças de um passado não tão longínquo assim. Ah! essas imagens têm o poder de tocar fundo na alma... Essas fotografias suscitam um desejo de acariciar casa página do livro, como se esse gesto pudesse atravessar o tempo e chegar àquele ser desamparado, solitário, que ali está retratado, e tocar na sua enternecedora e aturdida inocência. Esse livro tem o poder oculto do tempo. Como num sonho, a cada página virada há uma idéia de dor que tenta esquecer o sofrimento, uma agonia aguda e tenebrosa. Há momentos reveladores de uma vida de trabalho duro construindo riquezas no eito ou nos muitos e variados ofícios da vida urbana. Há momentos que registram a força para recriar na vida instantes mais amenos, ao ritmo da música e da dança, como nos Reinados de Congo. E há ainda nestas fotografias rostos de mulheres belas, de olhares enternecedores, cheias de imponência, de elegância quase, se não fossem ameaçadas pelo estigma terrível que as condenou para sempre a serem apenas amas de leite, escravas de ganho ou escravas que ezibiam o poder do seu senhor nas roupas emprestadas ou nas jóias e balangandâs que ostentavam a mando do dono. Assim se revelam essas imagens criadas em cenários armados pelo olhar estrangeiro para mostrar figuras exôticas, que revelam também uma estética própria, no jogo da sedução a que a magia da fotografia induz, mesmo a despeito do modelo. O livro trás em cada situação, entre as imagens e o texto, uma complexa e profunda história da fotografia, mas o que ele atinge é de fato a vida de cada dia da gente que povoa suas páginas. Um livro pode ou não elucidar a carne viva e palpitante da história, mas este consegue ser de fato um testemunho da vida desse negros captada pelos mais diferentes olhares de fotógrafos que a minúcia de sua pesquisa foi capaz de revelar. Portanto, esse encontro entre a vida, a história e a memória faz desse belo livro o livro do desejo de algo maior do que aquilo que afirmava Fernando Pessoa: "livros são papéis pintados com tinta / estudar é uma coisa que está indistinta / a distinção entre nada e coisa nenhuma." Não aqui, neste livro, porque é a história que aqui esta pintada sobre o papel, e que, distinta ou indistintamente, toca em cada um de nós, que somos a continuação do que ali está pintado.