Mais que a simples leitura de um texto literário, este trabalho de Maria Inês de Moraes Marreco põe em diálogo duas artes, dois espaços. E mais do que realçar os jogos composicionais que subjazem ao texto literário e ao musical, essa pesquisadora põe em movimento um conjunto de ressonâncias que ecoam um canto/contracanto orquestrado por vozes do presente e do passado e regido pela memória. No espaço que se forma a partir da relação entre literatura e música realiza-se - não só por meio do romance de Nélida Piñon e da ópera de Verdi, mas, também, pela leitura de Maria Inês - a encenação da palavra, do mundo do feminino e das máscaras que permeiam/encobrem/desvelam as relações do social na cultura. E, sob a força do fascínio exercido por esse jogo, a autora deste estudo crítico registra, como leitora privilegiada que é, o encantamento provocado por uma leitura que leva o leitor a circular por campos diferentes do saber e por um background cultural revelador de códigos que o convidam à realização de um constante processo de deciframento. Nélida Piñon é, segundo Maria Inês, uma escritora que faz "da linguagem uma forma sagrada de relação com o mundo". Ler essa autora é adentrar pelos caminhos misteriosos da criação artística, é como mergulhar nas águas às vezes revoltas das paixões, às vezes calmas da reflexão. Nenhum leitor atento sai incólume de seu encontro com a obra de Nélida Piñon, pois dela emerge tocado por sua ironia e humor raros, por sua habilidade em denunciar as relações de poder antes ocultas pelas tramas do social, e pela força da palavra, que a autora sabe manejar como poucos.Este estudo desenvolvido por Maria Inês dá mais visibilidade, ainda, a essas características de Nélida Piñon, aos novos sentidos que sua obra acaba por gerar e ao espírito transgressor que preside sua escrita. Note-se, ainda, a paixão da escritora pela música, juntando a melodia de Verdi à composição de personagens e lugares diversos. Da combinação desses sons e vozes constrói-se uma escrita parodística que é, a um só tempo, ruptura e retomada de uma tradição, explorando processos de intertextualidade como forma dupla de ironizar e homenagear. Falei, aqui, de paixão, que é, no dizer de Maria Inês, "tema central na obra de Nélida Piñon. Não só a paixão como pulsão erótica como, também, a paixão pelo conhecimento, pela história, pela memória". Paixão pela escrita, pelo jogo da criação, pela língua portuguesa, podemos acrescentar. Paixão também revelada pela autora de A errância infatigável da palavra, um trabalho que se constitui como valiosa contribuição para a pesquisa da obra de Nélida Piñon e dos estudos literários da contemporaneidade.