Poderia um personagem alterar seu imutável destino, já materializado pelo autor? Certamente que não. Mas isso o impediria de tentar entender sua trágica trajetória, em se tratando de um personagem trágico? Em absoluto, como ficou demonstrado no maravilhoso texto "Édipo e seus duplos", de autoria de Samir Murad, que resultou no excelente monólogo homônimo levado à cena em 2008, protagonizado pelo autor. Renunciado por completo a uma estrutura narrativa apoiada no naturalismo, ainda no ventre de sua mãe o personagem empreende suas primeiras reflexões e enfrenta o seu pai. E com o decorrer da trama, e sempre objetivando entender seu passado e assim exorcizar os fantasmas que o assombram, o protagonista encarna vários outros personagens, reais ou fictícios, em uma dilacerante jornada impregnada de desespero e solidão, mas nem por isso isenta de passagens engraçadas - mas tal humor, obviamente, deriva não de um inócuo desejo de gerar riso, e sim do absoluto desamparo deste Édipo maravilhosamente inventado por Samir Murad. Acredito, portanto, que a presente publicação facultará ao leitor a preciosa oportunidade de ter acesso a uma brilhante desconstrução do mito de Édipo, que não tenho a menor dúvida de que haveria de ser aplaudida por Sófocles ( 496 a.C - 406 a.C), o genial autor da obra original.