Faróis estrábicos na noite, o quinto livro de ficção de Cecilia Prada, realiza em seus contos uma proposta tirada da frase de Guimarães Rosa, “a gente navega na vida servido por faróis estrábicos”. Cecilia é mestra na arte de levantar o véu, remexer no recôndito das situações e dos personagens, mostrar os erros fundamentais das ideias que permeiam a sociedade, a família, e desviam as pessoas do curso da autenticidade existencial. Mas sua literatura não é somente introspectiva. Se em outras obras de ficção a autora usara seu poder para expor seus abantesmas familiares, já em vários contos, e sobretudo no internacionalmente famoso “La Pietà”, de 1972 (incluído em dois de seus livros anteriores), expunha cruamente e com o vigor de jornalista que também possui a realidade social dos excluídos, daqueles que reproduzem em sua castigada vida cotidiana as grandes tragédias da humanidade.Essa extensão do individual para o social também está presente neste volume desde o primeiro conto, “Aprendizado”, que nos remete a uma visão da guerrilha dos anos 60 contra a ditadura militar, até o último texto, autobiográfico, “Tambores do Juízo Final”, em que relata sua experiência em Nova York na época da Crise dos Mísseis de Cuba. E mesmo em “Trilhas da madrugada” ou no extenso conto em duas partes, “Os consagrados”, retomando temas de sua infância, consegue inseri-los no panorama mais vasto das ideologias em conflito, desmascarando mitos religiosos e políticos — mantendo sempre, porém, sua linguagem literária.Presente na literatura brasileira e no jornalismo desde meados da década de 50, Cecilia mantém um questionamento constante das circunstâncias que envolvem a mulher em nossa sociedade, que a aprisiona na qualidade de “cidadão de segunda categoria”. Teve ela própria experiência singular e dramática no Itamaraty: cursou, a partir de 1955, nossa academia diplomática, o Instituto Rio Branco, diplomou-se e trabalhou até o final de 1958 — quando, ao se casar com colega de carreira, o Ministério das Relações Exteriores obrigou-a a se demitir, em ato que contraria todos os princípios constitucionais. Até hoje, Cecilia luta inutilmente, na Justiça brasileira, pela indenização que lhe é mais do que devida. Na década de 70, ela teve destacada atuação no movimento feminista e, no livro de artigos A pena e o espartilho, de 2007, estuda a vida e a obra de escritoras brasileiras que, de uma ou outra forma, lutaram contra a discriminação para se imporem.