"Junho. São quase duas da manhã e não há meio de ver os homens saírem do foguetão e caminhar na Lua. Estou em casa da Ana Maria que é a única pessoa que eu conheço com uma televisão enorme numa sala relativamente espaçosa e com uns pais relativamente simpáticos. Nesta sala além desse objecto que me torna impaciente e um tanto incrédula existem três sofás muito feios de braços de madeira e almofadas azuis esventradas porque o gato as rata, mesmo assim confortáveis e por cima de um deles, na parede, um quadro grande pintado pelo pai, sabe?se lá em que situação e com que alma. Representa uma ingenuidade inquietante: o pôr?do?sol rodeado de nuvens escuras num mar tempestuoso. Tirando o sol, toda a cena é azul?escura o que torna a pintura inesquecível. Está calor e as duas janela estão abertas. A Ana não está. Eu cá estou. Sou como que da família. Conhecem?me desde pequena, estou completamente à vontade. Destas janelas vejo as janelas da minha casa. Lá já não há luz. Os meus pais já se foram deitar há muito tempo, os pais dela também, ela foi namorar e eu aqui sentada com o gato sonolento lambuzado nas almofadas à espera de ver não sei o quê, nem imagino o quê, provavelmente um ou dois homens a saírem duma caixa especial, darem um ou dois passitos e voltarem a entrar na caixa."