Tomadas como conteúdos autônomos, ou seja, como respostas prontas para situações em que o discurso é colocado à prova, democracia e literatura acabam muitas vezes por dar forma até mesmo às nossas perguntas, estabelecendo a pauta do discurso exatamente no lugar onde este deveria mostrar-se mais exigente e questionador. Evocar as margens da democracia, no contexto de uma reflexão sobre a literatura, é também um modo de destacar os dispositivos que sustentam essas noções e, portanto, de problematizar o uso que delas é feito no discurso crítico, retirando-as de sua mera instrumentalização como objeto (literatura) ou como contexto (democracia). Neste volume, textos de pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras ilustram e problematizam a necessidade de tal reflexão, em leituras de textos de Roberto Bolaño, Abdelkebir Khatibi, Jacques Derrida, Paulo Henriques Britto, Arthur Rimbaud, Nuno Ramos, Mallarmé, Jean-Marie Gleize e Paulo Lins. Trata-se de questionar algo que poderia ser descrito como um uso piedoso das palavras democracia e literatura Mais do que repetir suas promessas de plenitude ou do que tratá-las como meros resíduos humanistas, cabe explicitar o fato de que continuam faltando a si mesmas condição de possibilidade de qualquer debate.