Apontado como o primeiro ídolo de massas do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich passou para a história com a justa fama de mito - ainda que sua trajetória não fosse de todo conhecida. Foi sobre esse personagem complexo e ainda pouco explorado que o jornalista Luiz Carlos Duarte se debruçou. De seu trabalho minucioso de pesquisa, uma verdadeira reportagem histórica, emergiu o livro Friedenreich - A saga de um craque nos primeiros tempos do futebol brasileiro. Friedenreich nasceu em 1892, no bairro da Luz, filho do catarinense Oscar e da mulata Mathilde, uma professora da rede pública. Dois anos depois, Charles Miller desembarcava no Brás, trazendo na bagagem duas bolas de couro que trouxera da Inglaterra. A história do futebol e a vida de Friedenreich começam a correr juntas, tendo como cenário a efervescente Paulicéia que se formava com seus imigrantes. Pioneiro e essencial, Friedenreich esteve presente na primeira seleção brasileira e conquistou a Copa Roca, em Buenos Aires, primeiro título internacional brasileiro. Defendeu, entre outros clubes, o Ypiranga, o Paulistano e o São Paulo Futebol Clube. Seu ápice foi a conquista do Sul-Americano de 1919, quando fez o gol da vitória, na segunda prorrogação, contra os uruguaios. Mas o legado de façanhas de Fried é bem maior que os títulos e os gols marcados. Em sua pesquisa histórica, Duarte sustenta que Friedenreich e outros craques de sua geração, como Neco e Heitor, foram os responsáveis pela gênese de um estilo brasileiro de jogar futebol, criadores de um DNA que prevalece até os dias hoje. Primeiro a realizar um levantamento criterioso da trajetória do craque ano a ano entre os campeonatos de 1909 e 1935, o jornalista comprova inúmeras façanhas do primeiro gênio da raça, mas derruba outras lendas e mitos. Aponta, por exemplo, fortes evidências de que nunca existiu a suposta lista que atribuía a Friedenreich a marcação de 1.329 gols, um total superior ao de Pelé. Esse mito durou décadas e percorreu os cinco continentes. A obra reproduz pesquisas que mostram a cada partida quantos gols exatamente o jogador assinalou - metade dos marcados pelo Rei. E relata que, entre as poucas penalidades perdidas, pelo menos duas foram chutadas propositalmente para fora, com o propósito de estancar alguma injustiça da arbitragem. Talvez o primeiro caso de fair play da história brasileira. Além desses detalhes saborosos, o livro de Duarte traz uma rara combinação de leveza e rigor histórico. Além da trajetória do craque, o autor traz à luz um rico panorama da sociedade brasileira e dos primórdios do futebol no país. Os primeiros gritos de guerra que ecoavam nos estádios e as multidões que tomavam praças e ruas, diante de lojas e redações de jornais. Naquele tempo, os melhores momentos de grandes jogos disputados no Rio, entre paulistas e cariocas, eram escritos em cartazes e exibidos à multidão. Não havia rádio e as informações eram passadas por telefone. É um livro para quem ama o futebol e quer conhecer a história além das quatro linhas - e também dentro delas. O leitor vai se surpreender com temas antigos - do início do século passado - e ao mesmo tempo tão atuais: a crítica eivada de inveja e paixão clubística, as farras antes de jogos importantes, as rivalidades, a violência, os erros de arbitragem e até o uso político do futebol e a ação nociva dos cartolas.