Tradicionalmente, uma das muitas qualidades cultivadas pela crônica – gênero literário brasileiro por excelência – é o seu funcionamento leve, ao modo de uma conversa ritmada pelos risos cúmplices e confidentes, aspecto que Kleber Bordinhão alcança ao longo de todo o volume. Sem se restringir à memória, o autor evidentemente abusa dela e de suas artimanhas construindo, junto de uma coletânea de crônicas, o que poderíamos chamar de um fragmentário romance de formação: de sua filiação realista desde as primeiras leituras – com a opção pelos gibis da Turma da Mônica em detrimento às aventuras tresloucadas da Disney – às bibliotecas que lhe marcaram ao longo da vida, passando por suas experiências com a série Vaga-lume e chegando ainda aos episódios inglórios da vida de escritor independente no país do futebol, o recurso à memória permite ao leitor compreender melhor como se formou o poeta, quer dizer, em que forja foi lapidada a sua sensibilidade para aquilo que passa despercebido aos olhos da maioria.[...] E se as crônicas não fazem barulho, certamente tumultuam as memórias e povoam os sentimentos de quem lê. Pois, neste livro, o plano de Kleber é um só: tal como em sua poesia, quer construir a moldura que, quando acoplada ao simplório, confere às situações mais triviais a dignidade daquele menino que, no quintal de sua infância, chupa ameixas pela eternidade, ciente de que a vida é sempre assim, feita de um dia após o outro: só vale a pena quando existe aqui e agora.