Desde a década de 1960, horóscopos e mapas astrais estão no centro da vida quotidiana da maior parte das pessoas no mundo. Na época do movimento hippie, anunciava-se a entrada na Era de Aquário, que implicaria uma mudança radical para o futuro da humanidade. A difusão dessa espécie de anti-ciência (que não por isso se julga inexata de qualquer forma, mas apenas interpretativa) foi tamanha, que hoje, segundo o sociólogo Michel Maffesoli; professor da Sorbonne; um em cada dois franceses (e estamos aqui no país do racionalismo por excelência) se interessa pela astrologia. Também no Brasil, as décadas de 1970 e 1980 marcaram uma intensa difusão da astrologia, que extrapolou os jornais e almanaques em que circulavam até então previsões astrológicas e conquistou até mesmo os programas de televisão. Desde então começaram a surgir algumas obras interessadas na investigação científica dessa anti-ciência, a começar pelo notável e pioneiro Le retour des astrologues [O retorno dos astrologos], de Edgar Morin; do ano de 1971, a respeito do interesse então verificado pela astrologia entre os franceses. Nos 35 anos que se seguiram, a bibliografia não cessou de crescer correspondendo ao interesse sempre maior pela astrologia por parte da sociedade e à demanda por informações a respeito desse saber e não foram poucos os cientistas sociais e historiadores que se interessaram pela astrologia como objeto de estudo. Essa posição é também polêmica e não são poucos os que tentaram excluir completamente o estudo da astrologia dos ambientes sérios da academia, especialmente em círculos ligados às ciências ditas exatas. Ao identificarem um interesse pela astrologia como objeto de conhecimento tinham medo que ela, como um tipo de saber que se quer, entrasse na academia subrepticiamente e acabasse conquistando espaço para um saber não-racional nesses espaços, que ela virasse, em suma, um meio de conhecimento. Porém, Kocku von Stuckrad nos mostra, no livro História da Astrologia: da Idade da Pedra aos nossos dias, que o estudo da astrologia, como um fenômeno cultural histórico, não é apenas sério e importante, mas esteve intimamente relacionado com aspectos essenciais da história da humanidade. Nesse sentido; a história da astrologia pode contribuir para um conhecimento da história em sentido mais amplo; elucidando diversos sistemas filosóficos, mudanças de sensibilidades, bem como aspectos políticos importantes de diversas épocas. O autor, um jovem historiador alemão, é hoje professor assistente da disciplina Historia da Filosofia Hermética e de Correntes Relacionadas na prestigiosa Universidade de Amsterdam, tendo anteriormente lecionado ciências religiosas na Universidade de Bayreuth. Seu currículo é composto de 7 livros publicados, além de mais de 40 artigos em publicações especializadas, diversas resenhas, edições de livros, participações em congressos, etc.. O livro História da astrologia já está traduzido em espanhol e em italiano e será lançado em inglês em pouco tempo, o que testemunha, além da sólida erudição que sustenta a obra, fruto de pesquisas extensas, um texto claro e agradável de se ler. O livro tem por objetivo traçar uma ampla história da astrologia, desde os seus falsos princípios falsos porque nem todo interesse pelos astros pode ser legitimamente considerado um antecedente da astrologia na pré- história até a sua posição na sociedade atual. No meio-tempo, consegue resolver uma série de questões fundamentais e desmontar muitos mitos sem sustentação histórica: foi na Mesopotâmia, entre o terceiro e o primeiro milênio, e não no Egito faraônico, que se constituiu a tradição astrológica que depois seria retrabalhada durante os séculos; a Grécia se valeu imensamente do conhecimento oriental, e nesse sentido não foi o berço da astrologia, como teria sido de outros aspectos da cultura; a Idade Média não foi um período de repressão total da astrologia, mas momento de grande florescimento, especialmente nos meios islâmicos, cujas relações com o Ocidente foram intensas; a Revolução científica do século XVII não marcou o fim da astrologia; e assim por diante. Como se depreende dessas questões, o interesse de Stuckrad ultrapassa largamente uma história ensimesmada da astrologia, centrada apenas em um saber tradicional meticulosamente preservado por seitas e sociedades secretas. Sem tampouco negar o papel dessas, o autor nos mostra ao longo do livro como a astrologia esteve relacionada, ao longo de sua história, aos diversos aspectos da cultura das sociedades pelas quais ela foi preservada, cultivada e transformada. O livro está dividido em sete capítulos, o primeiro de carater introdutório, em que se expõem certos conceitos fundamentais para a compreensão do restante da obra, e os demais dispostos em ordem cronológica, perfazendo os séculos que se estendem do nascimento da astrologia ao mundo atual. Segundo explica Stuckrad, a astrologia consiste em um núcleo tradicional constituído na Antigüidade que sofreu diversas alterações e transformações ao longo da história, em que foram mudando não apenas as técnicas e conteúdos desse saber, mas também e principalmente seu lugar na sociedade. Por essa razão, cabe dar uma definição bastante sucinta da astrologia, para não se correr o risco de deixar de lado suas transformações ao longo do tempo. Segundo o autor, a astrologia é um tipo de saber que estabelece correlações entre os fenômenos terrestres e os celestes, enfatizando nessas correlações a qualidade do tempo (por contraposição à quantidade) e procedendo por analogias simbólicas. Ela se distingue assim da astronomia, que a princípio foi sua auxiliar, pois essa se preocupa principalmente das medições matemáticas, e não da interpretação dos fenômenos. Mas em que contexto se constituiu a astrologia e como ela se perpetuou ao longo dos séculos? Grande móvel da narrativa de Stuckrad, essa questão o leva a precisar que foi na Mesopotâmia e de forma progressiva, entre o terceiro e o primeiro milênios antes de Cristo que se desenvolveu o núcleo central do saber astrológico. A astrologia egípcia só se desenvolveu de fato a partir do século 3 a.C. e sob a influência de gregos e romanos - esses, por sua vez, influenciados pelos mesopotâmicos. Coube ao mundo helenístico integrar ao corpus babilônico as tradições egípcias, o que resultou por fim em uma astrologia mais mitológica e filosófica do que uma astrologia baseada em fundamentos matemáticos. (capítulos 2 e 3) Em seguida, o autor passa a tratar da Idade Média, tanto no âmbito árabe quanto cristão. Se é verdade que os árabes foram os grandes responsáveis pelo desenvolvimento da astrologia na Idade Média, primeiro em torno de Bagdá e, a partir do século X, no Al-Andalus, seria impreciso dizer que a astrologia não foi desenvolvida no Ocidente cristão, especialmente a partir do século XII (capítulo 4). O autor nos mostra assim que a Idade Média não foi apenas um momento de repressão a tudo o que fosse estranho à fé, mas foi também um momento de grande liberdade de pensamento. Stuckrad prossegue para tratar do Renascimento (capítulo 5), mostrando como aqui se deu uma grande transformação no saber astrológico, com o indivíduo passando ao centro do discurso e a explicação natural-científica ganhando destaque. A importância da astrologia no Renascimento, ligada às academias platônicas, mas também resultando na primeira difusão em massa desse saber (no sudoeste da Alemanha começam a circular impressões baratas que transmitem a astrologia em língua local e em linguagem simples para amplas camadas) não deve, contudo, como lembra o autor, fazer-nos esquecer que a Idade Média não foi obscurantista (como já o mostrara no capítulo anterior) e que a Revolução científica do século XVII não marcou o fim dessa tradição (como se mostra no capítulo 6). Por fim, Stuckrad mostra como, centrada especialmente na Inglaterra ao longo do século XIX (não coincidentemente o berço do empirismo e o centro da Revolução científica do século XVII e da Revolução Industrial do século XVIII), a astrologia se associa ao desenvolvimento da psicologia e se torna cada vez mais um conhecimento sobre o indivíduo, que conta logo com a simpatia do psicanalista Carl G. Jung e com a ação de diversas sociedades que começam a difundi-la, na Inglaterra, em primeiro lugar, mas também nos Estados Unidos e na Alemanha. Na segunda metade do século XX, ocorre o grande boom da astrologia, com sua transmissão pelos meios de comunicação de massa. Fenômeno complexo, relacionado à espiritualidade dita new age, mas também à sociedade de massas, a difusão da astrologia na sociedade atual acaba por mostrar o jogo intricado entre a manutenção dos elementos básicos de um saber muito antigo e sua necessária adaptação aos novos tempos, resultante, inclusive da descoberta de novos planetas no sistema solar e de diversos outros astros, que complicam bastante o cenário dessa disciplina nos dias de hoje. Ao longo desse percurso de cerca de cinco milênios, o autor consegue a proeza de agradar, pois seu texto é envolvente e claro, informar, valendo-se de ampla bibliografia e de uma variada documentação que é copiosamente citada ao longo do texto, e de interpretar, na medida em que mostra como e por quê a astrologia foi simultaneamente preservada e alterada nessa longa trajetória. Trata-se certamente de uma contribuição fundamental seja para a história cultural, seja para aqueles que querem compreender um dos fenômenos fundamentais do mundo contemporâneo.