Dom Frei Manoel da Cruz, primeiro bispo de Minas Gerais, foi transferido de São Luís para Mariana em 1745. Dois anos depois, durante quinze meses, atravessou os sertões do Maranhão, Piauí, Bahia e Minas Gerais em trilhas recém-abertas pelos bandeirantes. Ao longo de quase quatro mil quilômetros, enfrentou a caatinga, o sol, a chuva, a seca, a ameaça de ataques indígenas, um naufrágio no rio São Francisco, várias doenças e sangrias. Chegou ao destino tão desgastado que demorou seis semanas para se recuperar. Sua posse foi marcada por muita pompa. O luxo e a riqueza trazidos pelo ouro adornaram Mariana e os participantes do desfile triunfal que levou o prelado até a catedral. A comemoração tornou-se uma das festas mais extravagantes acontecidas durante o período colonial. Além disso, os discursos, sermões e poemas feitos em sua homenagem, preservados no livro Aureo Throno Episcopal, legaram-nos uma boa idéia do gosto literário em voga, sobretudo no meio eclesiástico. Português de nascimento, personalidade controversa e centralizadora, Manoel da Cruz serviu mais ao rei que ao papa. Criou paróquias, ergueu igrejas, conventos e o seminário de Mariana, iniciou a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, instalou o órgão Arp Schnitger da Sé. Por outro lado, condenou o contrabando de ouro pelos mineiros. Usou o púlpito para ameçar quem não pagava o quinto real. Imiscuiu-se na política, sugeriu nomeações para apaniguados e demissões para quem o criticava. Arranjou dezenas de inimigos por onde passou. Acumulou uma fortuna em ouro. Cobrava preços tão exorbitantes pelos ofícios religiosos que dezenas de diocesanos e legisladores o denunciaram ao rei. Talvez por isso tenha sido quase esquecido. Resgatá-lo significa recuperar uma figura humana singular e, ao mesmo tempo, trazer à tona as décadas que fomentaram a Inconfidência Mineira.