O que confere singularidade à literatura de Cadão Volpato é a celebração do esplendor da simplicidade e uma espécie de compromisso com personagens disfuncionais. Desde sua estreia, em 1995, com o conjunto de contos Ronda noturna, Cadão reafirma, livro após livro, seu interesse em falar de gente que vive em desacordo com seu lugar e/ou seu papel no mundo. Gente perturbada pela poesia meio selvagem e um tanto incompreensível do cotidiano. Há algo de proustiano nos personagens que tentam sofrer sem perder a elegância. Nas histórias, eles estão sempre esperando por um grande acontecimento, sem perceber que, no fim das contas, o que dá sentido às suas vidas, e as modifica, é mesmo o caudaloso rol de miudezas do dia a dia. Não é, portanto, uma literatura dada a arroubos de enredos e muito menos a revelações grandiloquentes. Ao contrário: contida música de câmara, conduzida por uma espécie de curiosidade essencial dos personagens acerca de seu destino, a narrativa de Cadão Volpato é feita muito mais de climas que de tramas. Aí entra em cena uma prosa concisa, enganosamente descarnada, que flerta dissimulada com o poético, sem nunca derramar-se por inteiro, para examinar com minúcia de ourives os delicados engenhos que regem as relações humanas. Com Relógio sem sol, Cadão aprofunda os temas centrais de sua obra e incorpora novos elementos ao seu território literário. As histórias, embora autônomas, tendem à síntese: a dificuldade de expressar com exatidão aquilo que se sente. Adicione-se a isso a consciência do transcurso irrevogável do tempo e a sensação de que algo se perdeu de forma irremediável e temos uma das chaves de fruição possíveis para este livro. Há outras, na medida em que os textos parecem comunicar-se no que respeita ao desamparo dos personagens diante de seus impasses existenciais e na tensão sempre presente - o silêncio que antecede a tempestade, que, afinal, não virá. Em franca contraposição à literatura farpada que predomina nestes tempos conflagrados, Cadão Volpato volta mais uma vez seu olhar para outras realidades - realidades internas, mas não menos intensas, das quais só pode dar conta um olhar comprometido com a sutileza da poesia.