Este livro tem como objetivo principal verificar as representações das construções das identidades paulista e mineira no início do regime republicano no Brasil a partir do conteúdo de textos ficcionais escritos por dois literatos brasileiros que começaram a escrever no início do século XX, bem como cartas trocadas entre eles no período de 1904 a 1920. São eles José Bento Monteiro Lobato e Godofredo de Moura Rangel representando respectivamente os modos de ser paulista e mineiro. Ao analisar essas obras é importante considerar que, mesmo tendo esses autores como meta inovar a escrita dentro dos parâmetros da nova forma de pensar o Brasil, eles caíram no ardil das mitologias e simbologias, as quais amparavam as propostas das classes políticas desses dois Estados, que por sua vez visavam a pôr em ação os ideais da teoria político-liberal.O contexto histórico em que os dois autores viveram foi aquele em que as elites dos Estados federativos brasileiros debatiam-se na construção das identidades regionais fazendo uso não só da política mas também de uma ampla frente no campo simbólico. Essas elites não mediram esforços para determinar um rol de especificidades apoiadas em valores, ideais e costumes que definiam o caráter identitário das regiões em que atuavam. Vivenciando esse tempo, os dois autores em questão, ao produzirem seus textos, não conseguiram despojarem-se das representações que se afinavam com os pressupostos das elites no poder de seus respectivos Estados, ou seja, os fundamentos simbólicos da construção do imaginário regional que visavam a construção das identidades dos seus Estados de origem. Por outro lado a leitura atenta das cartas de Lobato publicadas no livro A Barca de Gleyre cotejadas com algumas missivas disponíveis de Rangel permitiram dar conta de um segundo objetivo, ou seja, a desmontagem da narrativa lobateana a respeito de Rangel. A escolha das cartas que Lobato fez para compor essa obra, possivelmente privilegiou aquelas que beneficiaram a sua autoimagem, tendo em vista deixar por escrito a memória de si. E como essa obra não deixa de ser uma autobiografia pela qual Lobato buscou valorizar-se, Rangel é ali mostrado como o intelectual que representaria o seu contraponto, e desta forma, é revelado como tímido, submisso e dependente. Na leitura das cartas de Rangel essa ideia não se sustenta.