Cinderela nunca mais reúne dez histórias inspiradas nos contos clássicos da literatura infantojuvenil. Os contos, modernizados, são narrados no contraestilo, percorrendo o eixo parodístico, sem contudo dessacralizar a função dos contos de fadas e maravilhosos. A autora Juliana Gonçalves reescreveu as histórias com uma boa dose de humor, em que também demonstra conhecer o universo jovem. Muito perspicaz, ela soube substituir os elementos simbólicos do tradicional pelos elementos do moderno. Por exemplo, em A Bela desadormecida, em vez da picada de agulha que mergulha a princesa no sono de 100 anos, a Bela da autora se entorpece ao fazer mau uso das tecnologias ao alcance dos adolescentes. No conto, há uma sutil crítica aos pais que não sabem impor limites aos filhos. Assim, o sono de 100 anos da nova Bela é a ignorância. Sem perder a função apaziguadora dos contos de fadas ou maravilhosos, Juliana mantém a estrutura da forma, mas desconstrói as personagens e o espaço, avança no tempo, substitui os símbolos clássicos pelos contemporâneos e recria um conto de fada moderno, permeado - assim como os tradicionais -, pelas angústias e questionamentos dos jovens de hoje, apresentando desfechos com a mesma função dos contos dirigidos ao público infantil: dar significado à existência.Esta reescritura às avessas tem muito a contribuir não só na formação do jovem enquanto leitor, mas na formação de homens e mulheres.