O Ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss foi publicado nos anos 1920. Sendo teórica, metodologicamente e politicamente inovador, chegou a ser chamado por Lévi-Strauss de “Novum Organum” das ciências humanas. Embora tenha se inspirado nos estudos sobre a troca de dons em sociedades arcaicas, o Ensaio foi pensado também como uma crítica à tendência moderna em reduzir a sociedade ao mercado e o homem ao econômico. Após um tortuoso destino, foi retomado com riqueza pelo Movimento antiutilitarista em ciências sociais (M.A.U.S.S.), fundado na França em 1981 e em plena atividade até hoje. Nos textos aqui reunidos, Paulo Henrique Martins, líder da sucursal iberolatinoamericana do M.A.U.S.S., dedica-se a expor a força teórica transdisciplinar e o potencial ético-político do Ensaio; para tanto, percorre os itinerários do dom. Itinerário, antes de tudo, de uma teoria e metodologia, que revela o dom como autêntico (anti)paradigma primordial; mas itinerário também de uma difusão, recepção e tradução para realidades como a do Brasil, onde o antiutilitarismo francês se encontra com a situação pós-colonial; e, por fim, itinerário de uma experiência, de uma forma de ação e sentimento que assume o político e reconhece o papel do associativismo para que o social e o individual floresçam simultaneamente. Em uma época de desconstrução, eis um esforço raro de generatividade construtiva, que, com coragem, afirma a importância de uma ciência social voltada ao bem comum e a valores universais, sensibilizada pelo agir amoroso e orientada a uma sociedade convivial.