O Conto hebraico — dando-se a conhecer amplamente ao leitor brasileiro nos vinte e nove autores coligidos para esta antologia na excelente seleção feita por Jacó Guinsburg — surge como a exemplaridade mesma do fazer e da condição ficcional. O perfil de uma fisionomia particular — no caso, povo e cultura judaicos — desenha-se estreitamente vinculado ao corpo da própria língua. Pois o hebraico, à medida que se institui instrumento de comunicação, vivo e significante, regressa, retoma sua origem nas mãos. Lê-se no glossário, no fim do volume Aliá, plural: aliot. Significado literal: subida, ascensão. Antigamente, designava uma das três peregrinações anuais a Jerusalém; mais tarde, a participação, durante os serviços, na leitura da Torá; e modernamente, cada uma das ondas migratórias que, a partir do século XIX, se dirigiram à Terra de Israel. Assim o significado literal do termo aliá, acrescido de suas três acepções, resume, na instantaneidade do flagrante, todo um curso de milênios; e mais: fixa a modalidade de uma língua que seria de maneira menos nítida também a modalidade de toda e qualquer língua: a de vida refletiva, tanto quanto vida codificada; de ação histórica como atividade ritual. No designar as três peregrinações anuais a Jerusalém, aliá apresenta-se primeiro como relato histórico, a seguir como valor ritual, para vir a transmutar-se novamente em história, agora trabalhando a sua contemporaneidade nos fundamentos da própria língua. aliá, aliot: o povo regressa com a língua; aliá, aliot: língua é descodificada, faz-se instrumento vivo de participação na organização de um estado. aliá, aliot: subida, ascensão. O significado literal do termo absorve as três acepções dadas, mantendo-o suspenso numa zona não determinada de liturgia: o rito e a lenda misturados à paisagem israelense como no conto de Sch. I. Agnon, Tehila, incluído nesta seleção. Em Tehila, Israel, povo, língua e terra acham-se estreitamente confundidos. Este relato — uma estória de dissensões religiosas, visualizada entre a crônica e a lenda — transcorre em um específico momento da vida do povo de Israel e de sua cultura, no qual a Declaração Balfour, entre outros, aparece como elemento de indicação histórica. Narrada originalmente em hebraico — quando o próprio hebraico se apresenta, a algumas das personagens do conto, ainda como língua guardiã apenas do sagrado — permite à velha crônica fundir-se na nova. Porém o retorno é mais profundo. O conto hebraico em sucessivas aliot, vindas do fundo da língua e da história, regressa à origem mesma da origem, materializando a condição ficcional ao determinar o geral pelo particular. Pois, à medida que o leitor ganha os contos da antologia numa progressiva acumulação de atributos judaicos e características judaizantes, aponta-lhe mais e mais simplesmente o homem; e a humana condição.