Um livro de poesia, hoje, já nasce ultrajado pelas suas parcas condições de circulação e sob o vilipêndio da inutilidade. Requer, pois, sua feitura, um tesão ímpar: o de apresentar, diante da maré arredia, um peixe que nada num sentido que lhe é estranho. Na rede da resiliência, reza o receituário à disposição do indivíduo que se refastela afogado na correnteza: cuide-se, trate de melhorar, superar, dar aquele upgrade e seguir. Ainda que em caso de topada, de uma tragédia parente, de um massacre diário; ou mesmo de uma cisão da sociedade em nome da ascensão de monstrengos fascistas, fundamentalistas religiosos ou idiotas empoderados. “Aceita que dói menos”, diz o conselho de algum conterrâneo crápula (quem hoje não o tem, quando “tá na moda ser um canalhinha”?). Ou o livro de autoajuda. Ou o especialista em saúde de portais que nunca se abrem senão para um breve like. Se um caráter resiliente molda o indivíduo para a sua adequação – o que, em tese, sempre se faz necessário à vida em sociedade –, um outro, contrarresiliente, ora anuncia, em versos, seu método: não conformar a carne tampouco o gesto tampouco o grito. Reverberrar. Poética e aproximadamente: resistir, a apurar o faro no brio-brilho da lâmina com que se corta a veia do caudaloso rio das bestas, que tudo ameaça tomar.