É impossível defrontar-se alguém com o Brasil de Dom Pedro I, de Dom Pedro II, da Princesa Isabel, da campanha da Abolição, da propaganda da República por doutores de pence-nez, dos namoros de varanda de primeiro andar para a esquina da rua, com a moça fazendo sinais de leque, de flor ou de lenço para o rapaz de cartola e de sobrecasaca, sem atentar nestas duas grandes forças, novas e triunfantes, às vezes reunidas numa só: o bacharel e o mulato. Gilberto Freyre, Sobrados e Mucambos O FIADOR DOS BRASILEIROS faz uma análise, à luz da história brasileira, da biografia de Antônio Pereira Rebouças, um dos principais defensores do abolicionismo. Keila Krinberg, considerada um dos mais promissores nomes da historiografia nacional, mostra um pouco dos significados de ser preto ou pardo no Brasil oitocentista, ainda sob a influência do trabalho escravo. Explora a questão de adoção de políticas afirmativas para o combate ao racismo e coloca no centro do debate a questão das identidades raciais no país. Keila acompanha a trajetória desse parlamentar e advogado, desde o nascimento, em 1798, até sua morte, em janeiro de 1880. Analisa como o mulato Antonio Pereira Rebouças, filho caçula da mulata Rita dos Santos e do português Gaspar Pereira Rebouças, se transformou num dos maiores especialistas em direitos civis do país, além de pai do engenheiro abolicionista André Rebouças. O FIADOR DOS BRASILEIROS descreve como as modestas posses da família levaram Rebouças a trabalhar como escriturário em Salvador - de tanto lidar com leis, tornou-se rábula, doutor sem diploma. Advogado autodidata várias vezes deputado na Assembléia Geral nas décadas de 1830 e 1840, Rebouças funciona como fio condutor das mudanças no tratamento dos negros brasileiros. Ele é o paradigma de um novo negro: intelectual formado nos quadros da moderna cultura ocidental. Toda a carreira acadêmica e política de Rebouças são fruto das possibilidades abertas pelos princípios de igualdade e liberdade comuns no final do século XVIII. Rebouças funciona como chave de leitura para entender os dilemas da modernidade brasileira. Advogado, defendia a legalidade em nome do direito da propriedade, mas combatia a continuidade do tráfico de escravos africanos. O livro se divide em três partes. A primeira delas - Direitos civis - explora a dificuldade de descendentes de africanos ao se descobriram libertos, porém marcados pelo estigma racial. Estes homens e mulheres disputaram os significados desta liberdade, a partir de uma vivência na, ou próxima da, escravidão. A segunda parte do trabalho - Direitos civis e liberalismo - trata de questões do processo de construção nacional no Brasil monárquico. Revisita e ilumina o que ficou conhecido como "o velho liberalismo" da geração da independência. Na última parte - Direitos civis e direito civil -, a modernidade oitocentista brasileira é novamente abordada, agora sob a ótica jurídica. Keila Krinberg é doutora em História Social pela Universidade federal Fluminense (UFF), professora adjunta do Departamento de História da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) e do Instituto de Humanidades da Universidade Candido Mendes.