No esteio da interpretação republicana da obra de Maquiavel, que ganhou força considerável a partir da segunda metade do século XX, inúmeros trabalhos foram publicados, sem que nenhum deles tenha colocado em seu centro a questão do conflito político. É precisamente o que faz José Luiz Ames no importante livro que o leitor tem em mãos. E ele o faz de maneira sistemática, meticulosa, rigorosa, saindo em busca das várias formas que o problema adquire ao longo das obras de Maquiavel. Mostrando como Maquiavel ata o nó que prende vida política e conflito, Ames pode fazer seu percurso pelos textos do florentino. Mas irá privilegiar as formas da liberdade, vale dizer, sua constituição, sua fundação, sua conservação, e também sua destruição, sua negação, seu esquecimento e abandono na história dos corpos políticos. Algumas das questões políticas mais prementes, sobretudo aquelas que dizem respeito à natureza do exercício do poder e da participação popular nas democracias modernas, podem ser iluminadas a partir dos trabalhos de Maquiavel. Ames nos conduz, por meio de seu minucioso estudo sobre Maquiavel, ao coração da vida política moderna, onde nascem e morrem todas as nossas ilusões e esperanças. Esse lugar, esse núcleo, é habitado pelas paixões humanas, pelos desejos; logo, nunca é demais dizê-lo, pelo conflito. Sob essa estrutura claramente acadêmica está um pensamento poderoso, inquieto, que indaga o sentido mais profundo dos conceitos de Maquiavel e deles quer extrair o maior benefício filosófico. Pois é exatamente o que este livro faz: a exegese é reflexão.