Aleksandr Ivánovitch Kuprin é autor pouco conhecido e traduzido no Brasil. Contudo, sua obra é fundamental no panorama da literatura russa do início do século XX, ao lado de Maksim Górki, Ivan Búnin e Leonid Andreiév, estes dois últimos também parcamente divulgados aqui. A publicação de O bracelete de granadas e outros contos, em cuidadosa tradução de Noé Silva, que também assina o posfácio com informações biográficas e literárias substanciais, vem sanar em parte essa lacuna, aumentando e diversificando o já vasto repertório da literatura russa dos séculos XIX e XX traduzida no Brasil. Autor de novelas e romances importantes, como Molok e O desafio, respectivamente, Kuprin também se destacou como contista, o que esta seleção evidencia. Aqui foram reunidos nove contos, escritos entre os anos 1890 e 1910, seu período considerado mais fértil e criativo, que permitem ao leitor experimentar todas as grandes linhas que perpassam sua obra: a naturalidade e o realismo da linguagem, das descrições e ações narradas; a intensa carga lírica dissolvendo o realismo num complexo mais profundo; o interesse pela vida dos homens do povo e o cuidado extremo em não cair num discurso comiserativo ou de chavões, dando sempre atenção ao desdobramento natural dos enredos, precisos em seu andamento e desfecho; a proximidade com a natureza, vista como caminho para o homem encontrar a felicidade; o elogio do pensamento como o bem mais importante da humanidade; a celebração da vida e, sobretudo, dos destinos de todos os homens. O bracelete de granadas, o conto mais longo aqui traduzido e que dá título ao volume, é um brilhante exemplo no qual todos esses traços se reúnem, tendo Kuprin partido de um fato real para escrevê-lo: a paixão de um modesto funcionário público por uma princesa. Considerada uma obra-prima da literatura russa, aclamada imediatamente por Górki, essa história de amor tem um desfecho trágico. O funcionário acaba se matando depois de roubar o erário para adquirir o bracelete de granadas e presenteá-lo à princesa, que não o aceitou. Mas isso que parece uma inverossímil ou patética história de amor, torna-se motivo para uma apresentação profunda da possibilidade de um amor ilimitado, absoluto, que não é uma idéia, mas algo que pode ocorrer na vida dos homens. Em outro conto dessa antologia, Allez!, o que temos é também uma história trágica de amor incondicional no caso, entre a acrobata Nora, empregada num circo, e o palhaço Menotti. A simples listagem dos temas e personagens dos contos nos permitem indicar o vasto painel que Kuprin pôde montar da sociedade russa da época e da diversidade da aventura humana, sempre tão profunda em cada destino individualmente tomado. Em Demir-Kaia (lenda oriental), conhecemos a saga de um ladrão cruel, que já havia matado 99 homens, tentando encontrar um caminho para sua salvação.Destino (lenda oriental) narra outro caminho de purgações de um homem que, já bem velho, encontra sua felicidade. No circo narra a história da última luta de Arbúzov, halterofilista e lutador profissional. Detendo-se no corpo de Arbúzov, o autor exalta, com naturalidade e graça, a beleza e a força física.A felicidade é um breve conto que se transforma em um delicado elogio do pensamento e de sua força imortal. Cambrino, conto também fundamental do autor, descreve uma cervejaria russa num porão de uma rua perto do porto, sempre lotada de marujos, ladrões, prostitutas. Nela, reina o judeu e violinista Sachka, que satisfaz a todos os pedidos com seu repertório infinito. Sachka, que escapa da guerra com o Japão e também da polícia russa em 1905, é um radical manifesto da resistência humana aos mais bárbaros sofrimentos. Esmeralda, dentre os contos que Kuprin escreveu sobre animais, testemunha e denuncia a insensatez da cobiça dos homens e sua sordidez no trato com os animais. E Mentira santa, de natureza autobiográfica, nos apresenta a história de um rapaz miserável, sua mãe num asilo de viúvas e as possibilidades de um resultado feliz para suas vidas. Como se vê, a oscilação entre tragédia e felicidade está submetida a um plano mais profundo, que é a celebração da vida em seus variados destinos, aliando um realismo fino a um lirismo sofisticado. Ao lado de Tchékov, mas numa direção bastante distinta, Kuprin renovou a arte do conto na Rússia. E ao lado de Górki, mas sem as preocupações doutrinárias deste, Kuprin também pensou a história de seu tempo, olhando-a a partir dos dominados e miseráveis, dos excluídos da sociedade.