"Nas últimas três décadas, o debate sobre conflitos envolvendo populações locais e áreas protegidas no Brasil tem se revelado um tema bastante controverso. Há certa tendência entre cientistas naturais, cientistas sociais e profissionais de disciplinas aplicadas de caracterizar a discussão a partir de um ambiente dividido em torno de duas grandes posições, as quais ao mesmo tempo influenciariam e resultariam de argumentações mais amplas relacionadas à criação/gestão de áreas protegidas. Eis que surgem nas suas falas e em seus escritos um conjunto abundante de categorias que, na maioria das vezes, aparece em oposição, estando entre as mais corriqueiras: preservacionismo x conservacionismo; ambientalismo x socioambientalismo; movimento ecológico x movimento social; cientistas naturais x cientistas sociais; biologia da conservação x ecologia social; biocêntricos x antropocêntricos; militantes ecologistas x povos tradicionais. Mas o que aconteceria caso se deixasse de lado, por um momento, a preocupação com o conteúdo explicativo e o que indicaria tais categorias distintivas para então centrar atenção no funcionamento que rege, justamente, sua produção e operacionalização discursiva? É com base nesse redirecionamento que o autor se debruça sobre como são manipulados e em quais instâncias são acionados esses e outros conceitos, esquemas de análise ou categorias vindas do senso comum, utilizados para demarcar e interpretar diferenças e proximidades entre pesquisadores e especialistas cujos trabalhos versam sobre conflitos em áreas protegidas. Se há, de fato, posições bem definidas e não negociáveis, como a base em que elas se fundam e o contexto em que são expostas, não é algo tão pré-determinado, ao se pronunciar é-se levado a ""ler"" com cuidado a situação em que se está colocado ou então definir de antemão com quem se deseja dialogar/confrontar, para então mobilizar argumentos específicos e ocultar outros. Será através do domínio relativo destes diferentes contextos, da maior ou menor habilidade de por eles transitar e da capacidade de acionar, relativizar ou reafirmar um dado conceito, informação, conteúdo, argumento, justificativa que se constrói o cotidiano nativo (do qual, por sinal, o autor também participa) marcado pelo dito e contradito, espécie de cimento/combustível a mobilizar uma comunidade com interesses controversos."