Não há como pensar em uma África e em uma só cultura. Além do mais, a história vestida de tradição acaba por transformar em essências o que na verdade são antes processos de constituição e de comunicação. Só quem viu, vivenciou e participou pode entender como a dinâmica cultural é sempre mais forte do que a mera cópia ou reprodução. Gloria percorreu comunidades de remanescentes de quilombos pelo Brasil afora, assistiu a festas de todo tipo e percebeu como, a partir delas, era possível recuperar modos de vida e de estar nesse mundo. Mais ainda, o material mostra como as festas criam realidades; trapaceiam com ela, superpondo religiões africanas com o catolicismo aqui devidamente reinventado. Por meio da "festa", Gloria percebeu tensões e acomodamentos. Tensões, pois o ritual explicita o conflito, recupera a difícil questão da terra e da autoafirmação dessa população. Acomodamentos, uma vez que a festa regulamenta, estrutura, cria traduções. (Lilia Moritz Schwarcz)