Paradiso se tornou através dos anos um mito da literatura latino-americana. Edificação máxima do esplendor barroco, fusiona heranças culturais e literárias de vertentes híbridas. Percorre a Grécia antiga, a América criolla, a Europa de Dante, Góngora, Goethe e Voltaire. Foram quase 20 anos para elaborar esse que é o romance referencial do cubano José Lezama Lima, marco de uma radicalização estilística sem concessões. Ao leitor, portanto, não se trata de uma leitura qualquer, mas uma imersão num mosaico de sinestesias, que transformam Paradiso numa experiência literária assombrosa. Tentar definir a trama do livro como sendo de cunho autobiográfico, por acompanhar o crescimento do asmático personagem José Cemí, da infância à vida adulta, em meio aos dilemas de uma sexualidade que o perturba e ao desenvolvimento de sua vocação poética, seria reducionista e impreciso. Porque a Lezama Lima pouco importam as prerrogativas da narrativa e do vocabulário convencionais: toda a lógica do mundo, as observações, as descrições, as reflexões pessoais, cedem a uma iconoclastia poética devastadora, tornando nebulosas as fronteiras do que entendemos por "realidade". O lirismo pessoalíssimo de Lezama Lima reverbera em cada cena, em cada passagem, em cada ponto e vírgula. A despeito da verborragia poética do escriba cubano, nenhum vocábulo da obra soa fortuito, ao contrário: cada um deles parece ter sido rigorosamente planejado, como a cumprir esta dupla função, estética e transcendental, que acaba por conduzir o leitor a uma inevitável epifania. O livro exerce um sublime e ao mesmo tempo dolorido mergulho no universo das leituras de formação, da amizade e da lealdade cúmplices, da sexualidade em suas exuberâncias mais fantasiosas. O hermetismo do texto só reforça a aura própria das coisas especiais: Paradiso é uma obra ímpar.