Este livro é um ato de coragem. É um ato de otimismo, também. Paul Theroux explica na introdução a "O Velho Expresso da Patagônia" que "os viajantes são essencialmente otimistas, ou então nunca iriam a lado nenhum". É esse otimismo que permite a Alexandra Lucas Coelho afastar quaisquer receios com uma espécie de fatalismo paradoxalmente empreendedor: "não há nada a fazer". Mesmo quando por instantes se lhe infiltra na mente a dúvida acerca do desconhecido que a certa altura a transporta, sabe-se lá para onde, numa terra onde "um estrangeiro é um acepipe". "Não há nada a fazer." E a viagem continua. Vamos com ela aos jardins de Babur. Descobrimos com ela num país masculino, onde até na morgue há frigoríficos distintos para os cadáveres de homens e mulheres a herança da extraordinária rainha Gowar Shad. Mergulhamos o olhar no azul intenso de Band-e-Amir, um milagre atribuído a Ali, primo e genro do Profeta, que continua a proporcionar a quem o visita os bens mais escassos num país em guerra: tranquilidade e alegria. Aquilo que aqui, a ocidente, a milhares de quilômetros de distância, é apenas um borrão sem nome, uma massa de idéias vagas e de lugares-comuns, geopolítica e geoestratégia, toma a forma de gente concreta, ganha contornos, espessura, rosto. O fato de Alexandra Lucas Coelho escrever tão bem faz o resto. É o meio de transporte em que viajamos por um lugar aonde, é quase certo, nunca iríamos de outro modo.