Este é um livro em processo, não porque esteja inacabado, mas porque fala do assombro de nossos dias – que não se esgota com um ponto final. Primeira incursão do autor pela ficção, os contos reunidos aqui ensaiam diferentes abordagens da realidade, passando do fantástico ao maravilhoso, aproveitando possibilidades do realismo e recursos da mais corriqueira crônica, incluindo ainda as bonitas ilustrações de Clarice Gonçalves. Em meio a um tempo e a um espaço que se alargam para acomodar inquietações contemporâneas, vão surgindo de suas páginas personagens estranhas, ou mesmo bizarras, mas também velhos conhecidos nossos, de antigas leituras, de filmes, das cercanias da rua que atravessamos todas as manhãs. Seja o Papa em meio a uma crise identitária, um casal perfeito da antiga China e seus filhos medonhos, Marx morrendo, homens transformados em peças de xadrez, casas misteriosas com pessoas perversas, gente com cabeça oca, jovens que moram na rua, mulheres que estão fora do lugar, leitores vorazes enfrentando a máquina picotadora da história, tudo converge para uma especulação sobre o que, afinal, estamos buscando por aqui. O autor não traz respostas, nem é essa a função da literatura, mas nos convida a fazer novas perguntas e a refletir sobre o lugar que ocupamos no mundo, sobre aqueles que não têm lugar e sobre nosso posicionamento diante disso. Não é pouco em tempos tão obtusos.