Esse livro foi organizado para refletir diferentes articulações sênico-poética das propostas do Lume. São vários textos de seus atores e colaboradores que recriam em discurso algumas possibilidades de conceituação e pensamento da preparação de um corpo-em-arte. É uma parte do reflexo conceitual e descritivo das pesquisas desenvolvidas pelo Lume que, no ano de 2005, completou vinte anos de criações poéticas de um corpo expressivo inserido em situação espetacular. O corpo em criação, em dança , em arte, ao mesmo tempo restaura e resiste ao Homem. Resiste se entendermos esse Homem como o sujeito centrado em uma individualidade e em uma identidade que o realiza e que, por isso mesmo, exclui o outro e a diferença; esse Homem cuja "invenção é recente" como diz Foucault. Restaura e recria se entendermos esse Homem como um Si-Outro. Penso que esse corpo em criação gera esse espaço para poder puxar esse Si-Outro pela mão, mas ele puxa não o Homem sujeito e centrado em uma individualidade e uma identidade, mas cria uma fenda de entrada de luz e diz ao outro: venha, nessa fenda iluminada é possível criar, é possível jogar e brincar, é possível se relacionar. Criar essas fendas de luz, mesmo tão ínfimas, significa buscar uma postura positiva de vida, um dizer "sim" ao mundo. Dizer "sim" ao corpo-em-arte em resistência e, ao mesmo tempo, dizer "não" ao corpo inativo, estratificado, disciplinado, passivo, buscando colocar este corpo engessado em movimento criativo, em linhas de fuga e campos de intensividade. Dizer "sim" à troca-em-arte, à inclusão, à diferença, à possibilidade de se relacionar com o outro, em resistência à doxa, à opinião, à frieza, à cristalização dessas mesmas relações, ou seja, resistir ao Homem individual e centrado em uma identidade fixa que enpurga, através dessa identidade, o outro.