O homem que se achava napoleão Em 21 de janeiro de 1793, o rei Luís xvi é guilhotinado. Entre março daquele ano e agosto de 1794, cerca de 17 mil pessoas serão executadas na França. Por vários anos no país, a guilhotina se torna um delírio comum entre os alienados. Eram frequentes casos como o de um homem internado no hospital de Charenton, em 1802, que afirmava ter sido decapitado e estar portando outra cabeça, já que a sua havia sido levada para a Inglaterra. Em 1840, quando os restos de Napoleão são transportados à França, catorze pessoas que acreditam ser o imperador dão entrada no hospital de Bicêtre. Uma onda de delírios de grandeza, de "monomania orgulhosa" - como denominou a medicina da época -, espalha Napoleões pelos asilos do país. De 1789 a 1871, a França passa por uma série de convulsões políticas que marcam o fim da monarquia de direito divino e a fundação da República. A historiadora Laure Murat se debruçou sobre arquivos e documentos inéditos desse período guardados nos hospitais Bicêtre, Salpêtrière, Sainte-Anne e Charenton para examinar as relações entre política e loucura e apresentar, em O homem que se achava Napoleão, uma fascinante pesquisa que expõe as consequências dos eventos revolucionários na vida psíquica dos cidadãos. Nesse livro, escreve o psicanalista Jurandir Freire Costa, "o espectro do clássico de Michel Foucault - História da loucura - surge desde as primeiras linhas, mas retrabalhado com originalidade e com propósitos renovados". O homem que se achava Napoleão é também uma investigação sobre os primórdios da psiquiatria, por meio de seus expoentes, como Philippe Pinel e Jean-Étienne Esquirol, e sobre os vínculos estabelecidos entre medicina e ideologia para estigmatizar os insurretos da Comuna de Paris (1871) e outros adversá-rios do Estado. "A história da loucura pode não levar em conta a loucura da história?", pergunta Murat.