Obrigados a se internar nos ermos do sertão de Minas Gerais no correr do século dezenove para ficarem finalmente livres das perseguições cíclicas que recaiam sobre o seu povo no ambiente conturbado da sociedade europeia, Moisés e Matilda Tubaim finalmente encontraram lenitivo para suas angústias quando nasceu o filho Daniel, a quem destinaram a missão de desligar-se dos valores culturais do meio originário e integrar-se plenamente a terra que os recebeu, para que se tornasse um homem livre da intransigência e do preconceito atávico que há séculos estigmatizava os seres da sua raça. Após a morte dos pais Daniel imiscuiu-se necessariamente pelos costumes da terra e confrontou-se com a sua cultura em formação. Sua vida desde então tomou os rumos ditados pelas ingerências acidentais dos acontecimentos. Constatou que a perseguição aos dominados também vicejava no seio do sertão. Percebeu que o comportamento do povo que o habitava também se agregava aos interesses do poder dos donos da terra. Tornou-se vítima da intransigência e da arrogância. Testemunhou o genocídio dos índios. Não obstante, constatou que apesar disso os próprios costumes lhe fornecia os meios para que se opusesse ao preconceito e à universal intransigência, sem ter que descurar-se dos valores que lhes foram passados pelos pais, cujos restos e memórias tinham sido sepultados num buraco que o tempo cavou na pedra. No entremeio vivenciou experiências únicas e tomou conhecimento dos valores daquela terra luxuriante. Embebeu-se dos mistérios da realidade fantástica que permeava o meio único. Ouviu histórias. Confrontou-se com a verdade. Amou uma mulher especial, capaz de acreditar que as estrelas possuem pétalas. Viveu na margem rio da sua infância na certeza de que ele o ligava a terra que rasgara no primitivo das eras para construir um cenário de luxúria e encantamento que lhe serviria de abrigo, a ponto de tornar-se o cordão umbilical que sustentava a sua própria vida, lapidada pela fantasia extasiada dos elementos.