Incendiário, livro do inglês Chris Cleave que a Nova Fronteira publica no Brasil, gerou reações de incômodo e perturbação quando foi lançado na Europa e nos Estados Unidos. Faz sentido: ao mostrar a dor de uma mulher inglesa de classe média baixa que perde o marido e o filho num atentado promovido por Osama Bin Laden, o escritor evitou o maniqueísmo. Em vez de simplesmente satanizar o terrorista e líder da Al Qaeda, Cleave leva o leitor a questionar as relações entre Oriente e Ocidente através do sofrimento de sua protagonista e narradora. Esta mulher, cujo nome nunca é revelado, tinha no filho e no marido os seus únicos vínculos familiares. Eles estão no estádio onde acontece a final de futebol entre o Arsenal e o Chelsea, os dois mais populares times de futebol ingleses. Ela assiste à explosão pela TV e, arrasada, resolve escrever para o terrorista. Incendiário é construído como uma catarse desta personagem: o fluxo contínuo de narrativa, quase sem vírgulas e pontos, deixa isso bastante claro. Em um trabalho minucioso, Cleave também cometeu erros gramaticais propositais, deixando pistas do grau do baixo grau de instrução de sua personagem. A baixa escolaridade, aliás, amplia o impacto de suas descobertas em meio ao luto. Seu anonimato também mostra como ela é uma sem nome num mundo em que as identidades estão cada vez mais esgarçadas.