Na esquina rosada do Grande Sertão, Borges e Rosa se encontram. E nasce desse encontro um Borges até então insuspeitável: um Rosiano no Borges. Esta é a proposta básica do instigante ensaio/experimento que aqui se concretiza. Estimulada pelo privilégio que Borges sempre atribui à leitura, entendida como diálogo criador com o texto objeto, Vera Mascarenhas de Campos assume a tarefa arriscada de fazer refletir os gaúchos arrabaleros dos contos gauchescos de Borges nas retinas/espelho dos jagunços rosianos. E o resultado desse exercício tradutor/especular é a eclosão de textos que permitem ouvir ecos da Buenos Aires orillera, na amplidão ambígua e sinuosa do Grande Sertão, ao mesmo tempo em que a voz rude e mítica do jagunço das gerais ressoa na fala matrera do gaúcho borgiano. O maior fascínio deste livro reside exatamente no fato de oferecer ao leitor a oportunidade de se defrontar com esse texto outro, fruto inegável de lúcido, hábil e arguto trabalho de tradução/transcriação. Borges e Rosa encontram-se aqui, mas afetados pelo clarão alquímico do gesto transcriador, transfiguram-se, recodificam-se, renascem como texto novo, um texto borgiano/rosiano, onde as diferenças e semelhanças de ambos os idioletos se fundem numa unidade ambígua, que matreiramente inscreve seu regionalismo universal numa magnética melodia mineiro-argentina.