Mestre e doutora em psicologia social, Lucília começou a desenvolver, em 2003, a patologia que a afastaria abrupta e definitivamente da carreira docente. Diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença neurológica caracterizada pela paralisia progressiva de todos os comandos motores, teve roubada de maneira progressiva a totalidade dos movimentos físicos. Mas, como a própria Lucília registra, "preservou todas as sensações e a lucidez para poder sentir o peso e a crueldade do a-prisionamento no próprio corpo". Passou a produzir pinturas em telhas e, mais tarde, mandalas. Associados, esses trabalhos tornaram-se as principais fontes de comunicação e de expressão dos seus sentimentos e afetos. Tais produções resultaram na exposição Recomeçar é Preciso (out./06), no átrio da universidade em que trabalhou por tantos anos. A ação da doença foi devastadora: tirou-lhe a fala, imobilizou suas pernas e braços, comprometeu músculos responsáveis pela mastigação, deglutição e respiração. Com a ausência da conexão neuromuscular, seu corpo perdeu tônus, leveza e sustentação, "passando a pesar literalmente o peso físico". Contudo, mantêm-se intactas suas funções intelectuais, sensitivas e emocionais, "talvez para que, com lucidez, possa acompanhar como a minha vida foi e está sendo roubada". Na imobilidade física imposta pela doença, Lucília escreveu este livro ‘soletrando com os olhos’. Tal é a base para sua escrita. No início, um processo lento, como é fácil perceber: o movimento dos olhos compõe, letra a letra, as palavras e frases, as sentenças e os parágrafos, que ao fim transmitem os seus pensamentos, suas necessidades, suas emoções. E foi através desse recurso que Lucília redigiu aquilo aqui disponibilizado ao leitor, registrando suas despedidas de tudo que mais lhe foi caro. Dá dicas precisas sobre cuidados e sentimentos dos portadores de ELA, além de explicar a sua condição, mas, acima de tudo, nos encanta com sua sensibilidade, perspicácia, vivacidade e bom humor. Lucília não se lamenta, mas é precisa ao narrar sua realidade: "Meu intelecto e meus afetos não reconhecem mais o corpo que antes os concretizavam na relação entre o pensar e o fazer. Filosoficamente, é como se eu estivesse vivendo a separação do espírito e da matéria. O reencontro dá-se no riso e no choro, quem sabe por meu corpo ainda ter autonomia para viabilizar tais emoções. São três anos de angústia, desespero e tristeza indescritíveis. Entretanto, sempre acreditei que o ser humano possui possibilidades de reinventar a vida em quaisquer circunstâncias. E essa crença me faz sentir que apenas ‘quebrei as asas’ e terei de aprender a alçar outros e novos voos. Criar mandalas e telhas é um desses voos."