Em 2001, quando do início da primeira turma do Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades, da Universidade Candido Mendes - Campos, a busca sobre textos que examinassem as mudanças ocorridas no norte fluminense, provocadas pelas atividades petrolíferas, revelou uma quase total ausência. Essa região, durante séculos identificada com a produção sucro-alcooleira, ainda não contava com estudos sistematizados sobre o novo contexto. Inicia-se assim um conjunto de pesquisas tendo como foco a relação entre o petróleo e a região. No plano nacional, as profundas mudanças ocasionadas pela quebra do monopólio estatal do petróleo em 1997 e as novas formas de regulação adotadas que vêm re-configurando o setor, ainda pouco conhecidas do grande público, tornam oportuna a publicação de textos de especialistas sobre as mudanças em curso. Essas foram as motivações que deram origem a presente Coletânea que reúne estudos e informações sobre as recentes mudanças no setor de petróleo e gás no país, sobre a política de distribuição dos royalties e sobre os impactos das atividades petrolíferas no desenvolvimento regional do norte fluminense. O setor de petróleo e gás representa hoje uma das áreas mais dinâmicas da economia nacional e o Estado do Rio de Janeiro desfruta de uma situação privilegiada pois os campos da plataforma continental da Bacia de Campos concentram cerca de 80% da atual produção brasileira. Quando em 1953 Getúlio Vargas criava a Petróleo Brasileiro S. A.- Petrobrás -, com a missão estratégica de tornar viável o projeto de industrialização nacional e de tornar o país auto-suficiente em petróleo, a produção interna limitava-se a modestos 2,7 mil barris diários. Nestes 50 anos de existência, a empresa desenvolveu uma política pioneira e bastante bem sucedida de capacitação nacional em serviços especializados e de qualificação dos fornecedores nacionais e a produção atual atinge 1,65 milhão de barris/dia. Entretanto, a Lei 9.478 de 1997 que sanciona a quebra do monopólio exercido pela Petrobrás sobre as atividades de exploração e produção e a maior abertura comercial da economia brasileira desde 1990, interrompem antigos elos entre a empresa estatal e os fornecedores nacionais de equipamentos e serviços. Esse novo cenário altera a estratégia da Petrobrás de aumentar cada vez mais o índice de nacionalização dos insumos e equipamentos adquiridos que vinha adotando. Nesse novo quadro institucional, entra em cena a Agência Nacional do Petróleo como órgão governamental regulador dessa indústria e é criada a Organização Nacional da Indústria do Petróleo - ONIP, com a finalidade de organizar as empresas localizadas em território nacional de modo a torná-las competitivas frente aos fornecedores externos. Essas questões são tratadas na primeira parte da coletânea. O texto de Patrícia Farias procura recuperar a longa luta política entre nacionalistas e liberais, que precedeu à implantação do monopólio estatal dos recursos petrolíferos em solo brasileiro e que culmina com a criação da Petrobrás. Embora o tema já tenha sido objeto de inúmeras análises, adquire grande atualidade por estarem sendo crescentemente contestados os preceitos liberais que fundamentaram o processo de privatização das grandes empresas estatais nacionais. Ricardo Beltrão e Elísio Caetano, pesquisadores sêniores do Centro de Pesquisas da Petrobrás - CENPES, relatam o papel fundamental desempenhado pela pesquisa nacional ao viabilizar o aproveitamento de reservas em águas profundas, tecnologia essa em que o Brasil se torna pioneiro. A análise do papel da ONIP é tratado por um dos seus fundadores e analista competente da política industrial brasileira, que em texto conciso e claro apresenta os desafios do parque nacional de fornecedores frente a concorrentes internacionais que contam com condições sistêmicas mais favoráveis. A segunda parte da Coletânea trata das mudanças no regime tributário do setor. Anteriormente a carga fiscal recaía sobre o consumo de derivados, sendo a produção praticamente desonerada de impostos. Com a Lei do petróleo de 1997 é adotado um novo regime que tributa fortemente a produção e os royalties e as participações especiais passam a jorrar nos cofres dos estados e municípios produtores. Essas mudanças são tratadas no texto de José Gutman e Getúlio Leite, que de forma precisa apresentam a legislação pertinente à matéria, o que confere ao texto o papel de referência e consulta. Neste mesmo bloco encontra-se o artigo de Agostinho Leal e Rodrigo Serra, que politiza a discussão sobre o repasse dos royalties às esferas subnacionais. Rodrigo Serra e Carla Patrão, desenvolvem uma análise de forte base teórica sobre os fundamentos econômicos da cobrança de royalties, apontando as falhas na legislação brasileira, refém de um extremado determinismo físico. Na terceira e última parte da Coletânea encontram-se artigos que procuram analisar as relações entre o petróleo e a região, pois ainda que de uma perspectiva teórica a indústria do petróleo contenha fortes encadeamentos que podem deflagrar virtuoso processo de mudanças estruturais, historicamente observa-se que essa indústria pode permanecer como mero enclave na região em que se localize. O norte fluminense vem passando por mudanças em seu perfil econômico e em seu recorte regional, percebendo-se hoje, claramente, um gap tecnológico e gerencial entre o complexo petrolífero e o resto da economia. Os efeitos da indústria claramente limitam-se ao município de Macaé, enquanto que os demais beneficiam-se do recebimento dos royalties, amparados pela legislação brasileira que define como produtor todo município confrontante com poços em exploração em alto mar. Esse rico veio analítico é explorado sob vários ângulos. Meu próprio texto analisa as mudanças no perfil econômico e no recorte territorial da região, decorrentes das passagem do predomínio da agroindústria do açúcar ao das atividades de exploração de petróleo. De modo inteligente e irônico Nelson Crespo relata a expectativa da elite campista quanto à localização da base de operações da Petrobrás nos anos 1970, sendo possível sentir com clareza o misto de altivez e desejo dessa elite de que a cidade fosse a "eleita". Frédéric Monié apresenta as mudanças na organização do território provocadas pelas atividades petrolíferas. Fechando a Coletânea, Denise Terra apresenta um relevante aspecto sobre a realidade local: a indicação de que Macaé já se constitui em cluster da indústria petrolífera nacional. Os autores tiveram total liberdade quanto ao modo de abordar seus respectivos temas. Com olhares e saberes distintos apresentaram com rigor e diferenças de estilo, temas nem sempre fáceis de leitura e compreensão. Espera-se que os textos reunidos venham a proporcionar informações úteis sobre um importante ângulo da realidade nacional. Finalmente, cabe agradecer aos dirigentes de UCAM-Campos, onde a proposta teve início; ao Engenheiro Ricardo Beltrão, Diretor do Centro de Pesquisas da Petrobrás - CENPES, que com a sensibilidade de pesquisador, desde logo apoiou a proposta que lhe foi submetida; aos professores e demais especialistas que se prontificaram a dedicar parte de seu tempo ao empreendimento e sem os quais a Coletânea não teria surgido.