Em tradução direta do idioma original, O violino de Auschwitz, da catalã Maria Àngels Anglada, integra uma importante vertente da ficção contemporânea, cujo tema geral pode ser sintetizado pela expressão dignidade na barbárie. Se os racistas pretendem diminuir a dimensão humana do objeto de seu ódio, os nazistas, por sua vez, pretendiam anulá-la inteiramente. A arte, porém, a rearfima. A história de O violino de Auschwitz se constrói então sobre uma magnífica e brutal ironia. Daniel é um artesão judeu polonês, mais exatamente, um luthier, um construtor de instrumentos musicais. Agora, porém, tenta sobreviver ao inferno de Auschwitz trabalhando como carpinteiro. Até que o comandante do campo, amante de música clássica, descobre sua verdadeira profissão. Decide, então, pô-lo à prova: ele deve construir um violino que possua o som mais perfeito. Assim, o comandante do campo, o mesmo que comanda o processo de desumanização dos prisioneiros, ao comandar ao artesão Daniel a criação de um instrumento capaz de gerar a música mais pura, faz com que ele reafirme, de forma palpável, a profundidade de sua condição humana. Faz, também - e este é outro tema do livro -, com que Daniel encontre força para sobreviver. Trata-se igualmente, por fim, do antigo tema de Davi contra Golias - com a diferença de que, aqui, Davi não atira uma pedra, mas constrói minuciosamente um instrumento, enquanto Golias não é um gigante no meio do campo de batalha, mas uma gigantesca máquina kafkiana de moer pessoas vivas. Sobreviver, portanto, é vencê-la. A autora ainda acrescenta uma crua dimensão documental ao livro, ao abrir os capítulos com passagens de documentos reais dos campos de extermínio nazistas, que funcionam como uma terrível moldura para sua história - em que a dor e a música convivem lado a lado -, e aprofundam ainda mais a sua dura e pura humanidade.