Quando tive a grata oportunidade de participar, com Nilton Bonder, de uma sessão de leitura bilíngüe de trechos do Eclesiastes (Qohélet), por ocasião do lançamento no Rio de Janeiro de minha "transcriação" desse extraordinário "poema Sapiencial", surpreendeu-me a disponibilidade do jovem rabino de compartilhar comigo um momento de celebração laica, já que, no que a mim dizia respeito, o objeto por excelência a celebrar-se, naquele momento, era a força poética da palavra bíblica - do davar hebraico, vocábulo e coisa ao mesmo tempo, e que, nesse sentido, supera as circunscrições do logos grego. É que ao rabino Bonder, afigura-se-me, importa fundamentalmente a "autoridade", a instância do outro, a relação dialógica, e, nesse nível, ele parece ter a nostalgia, a "saudade" (Sehnsucht) buberiana do TU, instaurador dessa relação onde o EU encontra seu devir (Ich wurde am Du/ No Tu eu me torno Eu). Assim, a "autoridade" (a otredad de Octavio Paz, dimensão tão essencial à poesia como à experiência de nossa humanidade em seu sentido mais profundo) é o grande tema que subjaz a esta cabala da inveja, terceiro volume da série que já nos deu A cabala da comida e A cabala do dinheiro.