Este livro é sobre a prosa de Gertrude Stein, sobre as influências que ela exerceu e exerce sobre artistas e escritores, e sobre sua tradução, interlinguística e intersemiótica. Mas Gertrude é uma Gertrude (Augusto de Campos, 1986). Ela ainda parece ser, como Edmund Wilson sugeriu há décadas, absolutamente ininteligível mesmo para o mais simpático leitor. Se seus experimentos não se adequaram facilmente ao aparato crítico-teórico de seu tempo, isso parece não ter avançado muito. As razões são bem conhecidas. Ao subverter premissas fundamentais, manipular surpreendentemente gêneros e normas, Gertrude criou um idioma experimental quase sem precursores. Sua prosa exige um leitor especial, atento a pequenas variações (fônicas, rítmicas, prosódicas, sintáticas, semânticas) criadas pela manipulação de um pequeno acervo de grupos lexicais ordinários, como moduladores adverbiais e cláusulas transitivas, e liberto dos efeitos criados pela redundância aparente. Qualquer abordagem de sua obra deve enfrentar seu lance de dados, indigesto até hoje. Ele desafia teorias, métodos, categorias, classificações e hábitos de interpretação. O cenário que emerge deste livro sugere que domínios radicais de invenção e descoberta de novos processos de linguagem, em muitos ambientes artísticos, deve à obra de Gertrude aquilo que ela melhor representa a vertente experimental mais originalmente independente da tradição conhecida.