A distopia, marca registrada de livros de ficção científica nos anos recentes, é a antiutopia por excelência, mostrando um futuro em que os valores humanos estão destruídos e as metrópoles gigantescas são autênticos infernos multirraciais e multiétnicos, povoados por multidões sujeitas a rígidas divisões de classe, corrupção, policiais tão indignos de fé quanto os bandidos, drogas, marginalidade descontrolada e desespero. É num cenário assim que se situa a cidade de Rigus, suntuosa, gigantesca e rica, onde a Cidade Baixa é a parte sombria, escura, por onde vagam os dejetos sociais mais imprevisíveis e perigosos. É na Cidade Baixa que circula o Guardião, ex-combatente de guerra, ex-agente secreto e policial da Casa Negra, negociante de drogas e também dependente delas para atenuar o tédio e o desgosto, morando num quarto acima de um bar imundo. Nesse mundo do Guardião, tal como nos melhores livros de detetives noir ao estilo de Raymond Chandler, Dashiel Hammett e James M. Cain, ninguém é digno de confiança, nem mesmo o próprio detetive, um compêndio ambulante dos mesmos defeitos que encontra nos outros, mas com uma vantagem: a lucidez. É devido à lucidez com que enxerga o mundo que ele se torna capaz de narrá-lo com precisão e também um humor negro desesperado. A Cilada é assim, um livro escrito na primeira pessoa, na tradição dos melhores de Chandler & Cia. Mas é também uma FC, um romance fantástico, uma fantasia noir, em que o Guardião surge como uma variação do J.J. Gittes, de “Chinatown” ou do Dick Deckard, de “Blade Runner — Caçador de Androides” num futuro sem esperanças. Convocado pelo general Edwin Montgomery, que, tal como ele, esteve numa guerra inglória em que muitos morreram à toa a serviço de uma monarquia indiferente ao destino dos cidadãos das Treze Terras, o Guardião terá a missão de reaver para o veterano herói de guerra a filha adolescente, Rhaine, que desapareceu. A garota quer saber a verdade sobre a morte de seu irmão, Roland, presidente da A