Se o leitor tem mais anos de vida do que pode contar nos dedos (inclua aqui os dos pés), deve lembrar-se do tempo em que podíamos chegar atrasados ao cinema. Entrar com a sessão pela metade não nos fazia perder nada do filme e, embora muitos não gostassem, acabávamos nos acostumando. Os atrasados ficavam para a sessão seguinte, viam a parte que tinham perdido e tratavam de emendar uma ponta na outra, no estúdio da cabeça. Quando o filme era difícil, não era raro o espectador que decidia revê-lo inteirinho. Os cinemas de hoje, com sua pontualidade de trem suíço, não mais têm essa tolerância; quem não está lá na hora certa nem embarca, salvo jeitinho. Menos mal que, primeiro, o videocassete e, depois, o DVD nem estamos falando na interatividade vieram devolver-nos a possibilidade de voltar, recomeçar o filme a qualquer momento; o que significa, na prática, o direito de nos distrairmos ou de cochilarmos no sofá. Se não estivermos entendendo patavina (há roteiros bem complexos hoje em dia), teremos o remédio de passar e repassar as cenas, paralisar a imagem, pular do fim para o começo e de lá pular de volta. E mais: se leio, por acaso, uma crítica enriquecedora sobre o filme ou assisto a um depoimento pessoal do roteirista ou diretor, vou correndo rever tudo, agora com outros olhos, encantado em enxergar o que antes nem tinha suspeitado existir. Infelizmente, leitor, no cinema desta vida não há segunda sessão. Quando, por sorte, acordamos (há os que seguem cochilando...), já estamos além da metade e nos damos conta de que nunca mais veremos esse filme de novo. Talvez até, remexendo nas lembranças e interrogando Mnemósine a deusa da memória, possamos mais ou menos recompor o fio da meada ou reinventar a primeira parte, mas nunca, nunca saberemos ao certo o que deixamos de ver se bem que, a esta altura, mesmo que este filme pareça não ter sentido, o melhor é abrir bem o olho e a alma e tratar de aproveitar o resto da única sessão que nos coube.