Talvez a mais importante obra poética de um dos mais notáveis autores da produção literária contemporânea, este livro fala do vácuo, da solidão, da perda daquele que sofre na vida a morte. Poucos poetas levaram tão a sério a injunção rimbaudiana é preciso ser absolutamente moderno quanto o francês Jacques Roubaud. No âmbito da poesia, isso significa produzir uma escrita que incorpore de forma embrionária a complexidade da experiência da modernidade (ou da pós-modernidade): já que o mundo contemporâneo vem progressivamente abolindo o padrão das medidas, dos comedimentos ou da moderação ao tempo, em que fronteiras — em que medidas — buscar o poético? Roubaud investe justamente nesse abismo de indeterminação do moderno para levar sua escrita às fronteiras em que, tradicionalmente, não deveria haver poesia: a matemática, a narrativa aventuresca, o ensaio, o romance policial, a novela, a fotonovela, o jogo, o passeio, o labirinto, o teatro, a autobiografia, os quadrinhos etc. Com Quelque chose noir (Algo : Preto), de 1986, que se apresenta como diário de uma perda, e que ora aparece na coleção Signos da editora Perspectiva, em tradução de Inês Oseki-Dépré, Roubaud atinge seu ápice poético até o momento. Para além da sua capacidade crítica e inventiva, este livro se destaca pelo enfrentamento da experiência da morte. Trata-se de uma convivência poética com o extremo, em todos os sentidos do termo — o mais intenso, mas também o terminal ou o que está a ponto de se extinguir —, transformando a densidade do que é derradeiro em outro começo: esse algo preto não poderia representar melhor uma escrita poética que busca a freqüentação de suas fronteiras.