Noite Inclinada, que antes se chamava O Ganhador,talvez seja o romance mais sarcástico de Ignácio de Loyola Brandão. Conta as peripécias de um anti-herói, um músico meio amalucado, figurinha carimbada em todos os festivais de música do país, dos internacionais, reunindo os maiores astros da MPB brasileira, aos realizados em cidades remotas, sem qualquer repercussão, em busca de um prêmio que nunca alcança e de um filho, gerado por uma amiga lésbica cujo sonho era ser mãe.Transcorrendo em sua maior parte nas estradas, o romance revela um Brasil cheio de contradições, patético, cruel, meio absurdo, mas sempre bem-humorado, povoado por personagens a um passo do grotesco: a pastora de uma religião que adora um grande peixe, encontrado dentro do gelo; as prostitutas indignadas em ato de protesto; a hippie dos anos sessenta, transformada em uma tranquila dona de casa; o vingador que odeia banheiros sujos; o homem que mora dentro de uma sereia; a ex-bailarina de corpo escultural, agora com uma imensa gordura e uma perna amputada, sem perder a alegria de viver; a quarentona que se julga princesa, membro de um incrível fã-clube provinciano.O Ganhadornão foge à regra. Alucinado, patético, julgando-se por vezes um ser superior, capaz de encontrar a oitava nota musical, oscila entre o idealismo e o conformismo, o delírio e a desilusão. Adora o aplauso, tem voz melodiosa e boa presença. Por que não vence? Por que nunca consegue brilhar? "Porque sou uma mentira. Minha chance passou, não vi quando beirou", raciocina, quando nada mais podia aspirar. Divertido, irreverente, delirante, retrato alucinante do Brasil das décadas de 70 e 80, Noite Inclinada, título inspirado em um poema do poeta português Helder Macedo, agride o leitor como um soco bem dado. Agride para despertá-lo.