Para quem acompanhou de perto os grandes debates do século XX, o nome de Louis Althusser é inesquecível. Nascido em 1918, teve uma trajetória brilhante como militante e teórico vinculado ao Partido Comunista Francês. Grande defensor da prática teórica, afirmava que não poderia haver prática revolucionária sem teoria revolucionária. Mas sua reflexão não ficou restrita ao marxismo, indo também de encontro à psicanálise, aonde encontrou em Jacques Lacan um equivalente na renovação do campo freudiano através do rigor teórico. Produzindo textos de suma importância tanto para o marxismo como para a psicanálise, Althusser alternava o seu brilho intelectual com uma vida pessoal atribulada por sucessivas crises de depressão e conseqüentes internações em instituições psiquiátricas. Era, além disso, ele mesmo, paciente da psicanálise. Porém, nada faria supor a grande tragédia de uma noite de novembro de 1980, quando o filósofo estrangulou a sua esposa Hélène. Tornado impronunciável pela justiça, Althusser permaneceu asilado até a sua morte, em outubro de 1990. Deixou uma autobiografia monumental, aonde buscou ser, e foi, totalmente lúcido a respeito da sua própria loucura. É, pois, sobre este trajeto existencial, intelectual e clínico que Marci Dória Passos se debruça para interrogar e refletir sobre a tragédia que não pôde ser evitada. De um lado, o paciente especial, que deixa documentado o seu percurso trágico na vida e a sua própria inscrição no interior do edifício psicanalítico/psiquiátrico; e do outro, exatamente, a clínica psicanalítica/psiquiátrica que foi impotente para prever ou prevenir a tragédia.