Nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Maquiavel se compara aos grandes navegadores e afirma estar consciente dos riscos que está correndo ao propor percorrer novos caminhos na esfera do pensamento. A obra de Maquiavel deve ser pensada sob o signo do novo. Novidade tramada no convívio com o passado, construída pela leitura dos humanistas, e tecida num confronto sinuoso com as crenças mais arraigadas dos séculos anteriores sobre a natureza da política e das ações dos homens. Ao buscar superar seu tempo e empreender uma navegação nos mares da teoria política, ele sabia que estava entrando em um terreno perigoso e quase tão arriscado quanto aquele dos aventureiros e desbravadores. Para ele, o novo se conjuga com o perigo. Pensar contra seu tempo implica em correr riscos; contrariar o estabelecido pela tradição pode levar o autor a desagradar a todos sem contentar a ninguém. Ele sabia, entretanto que as formas antigas de pensar a política estavam esgotadas e que não existe outro caminho para os descobridores do que o dos mares revoltos. Permanecer em terra firme, naquele momento, podia evitar o perigo do naufrágio, mas não o conduziria a novas terras. Como os bons navegadores, no entanto, Maquiavel sabia que não se pode começar uma aventura sem antes calcular todos os riscos, sem levar a bordo as ferramentas de que dispomos no presente e que nos foram legadas pelo passado, mesmo se algumas delas venham a se revelar inúteis ao longo da travessia.