Ao libertar os seres humanos das sujeições tradicionais, a modernidade imprimiu às relações de autoridade uma dimensão contratual em virtude da qual já não há poder que se possa exercer sem haver a preocupação de conseguir a adesão daqueles em quem se exerce. Assim, a relação com as crianças foi transformada em profundidade. Ao mesmo tempo que a educação se separou de todas as confusões com uma qualquer domesticação e que as crianças escaparam a práticas desumanizantes, passou a ser uma das questões perante as quais as sociedades democráticas tropeçam, pois não sabem conjugar o necessário desnivelamento implicado pela relação pedagógica e a exigência de igualdade postulada pelo facto democrático. Se a criança é igual aos adultos que a criam e a educam, é este igual paradoxal que precisa deles para se tornar o que é. Era preciso este grande desvio pela história para dar toda a amplitude ao debate contemporâneo e compreender na sua riqueza, longe de todos os esquemas simplificadores em uso, a lenta libertação das crianças até à emergência - altamente problemática - da criança-cidadão. ALAIN RENAUT é professor de Filosofia Política na Universidade de Paris-Sorbonne. É autor de vários ensaios que renovaram em profundidade a nossa compreensão da modernidade, nomeadamente A Era do Indivíduo, Alter ego: os paradoxos da Identidade democrática, e os cinco volumes da História da Filosofia Política, obras que o Instituto Piaget já publicou.