Em breves capítulos de grande contundência, Luciano Canfora revira e desconstrói o mito de nossa famosa democracia, seja ela em sua vertente clássica, popular, parlamentar, ocidental, proletária, ou o que mais ainda se inventou para (des)caracterizá-la. Canfora atinge com estocadas certeiras um valor considerado perene, e o que sobra tem trejeitos de uma grande fraude. O discurso da democracia e sua bem azeitada retórica são usados pelos donos do poder para justificar que uma minoria de turno sempre acaba comandando as maiorias. Canfora demonstra como essa aristocratização da democracia e seu corolário de desmandos ocorrem em todos os tempos e todos os lugares [...]. Interessante vermos como sempre se falou em nome da democracia, como sempre se cooptou classe política, imprensa e eleitorado, e hoje, nesse mundo uníssono em que os deserdados parecem não ter mais defensores, a convergência "democrática" rumo ao "centro", que existiu desde finais do século XVIII, parece ruir, e pela primeira vez em muito tempo novos discursos não mais necessariamente se submetem a consensos que tanto duraram. Que a retórica da democracia não seja mais valor universal gera restrições cada vez mais perigosas para sua prática - se é que um dia ela foi efetiva. Os novos extremismos aflorando a torto e a direito (radicalismos de direita e xenofobias, o novo unilateralismo imperial norte-americano, ou ainda os fundamentalismos das grandes religiões), as renovadas intervenções dos Estados Unidos para exportar democracia e liberdade à moda da casa - talvez a mais obtusa operação de manipulação retórica que se tem visto - nos lembram que retórica e prática andam cada vez mais distantes.