Embora o título possa sugerir, este livro não é um estudo de urbanismo nem de ecologia. Trata-se de um ensaio de antropologia filosófica que parte do paralelo entre a dimensão privada e a pública tal como ocorrem na vida histórica: os dois termos funcionam como duas metáforas centrais, como referências temáticas em torno das quais se desenvolve a reflexão do autor. Nelson Saldanha faz uma viagem, através de digressões e de analogias, e transita com desenvoltura ora pela Antigüidade clássica, ora pela Idade Média, ou ainda pelo mundo contemporâneo, para conduzir o leitor a uma visão conclusiva sobre a própria condição humana - em que se fazem essenciais as referências sociológicas, literárias, filosóficas e cinematográficas. Composto por dezesseis curtos e incisivos capítulos, a obra começa e termina pela construção de imagens: a do jardim, espaço de recolhimento pessoal e reordenação da natureza, puxando, portanto, para o privado, e a praça, espaço da coletividade e recorte imposto à cidade, direcionado ao público. Entre um espaço e outro, a argúcia de Saldanha sabe descobrir relações, contradições, continuidades e descontinuidades que são registros daquilo que, várias vezes, gosta de chamar de imagem do homem construída pelo próprio homem. Sempre ladeado por tais metáforas, adverte que as crises que se prolongam na modernidade vêm a ser crises da articulação entre vida privada e vida pública, e lembra que a importância desses temas já se fazia presente entre gregos e romanos até mesmo para a qualificação política da dimensão pública. Outro assunto presente no livro é a do intelectual moderno, suas funções e sua relação com a modernidade. Ao falar das utopias, o autor afirma que elas surgem como expressão do triunfo de uma mentalidade que sobrepõe o público ao privado, como se o próprio pensamento utópico se formulasse a partir da experiência da praça, o que deve ter relação com certa artificialidade que existe nas utopias. Mas o livro reflete, de qualquer sorte, a preocupação que Saldanha sempre teve com a relação entre o pensamento (e com ele as palavras) e os contextos. Isto equivale a falar da perspectiva histórica e das "conexões de sentido", que tanto interessam na compreensão dos objetos culturais. Ele comenta também que o paralelo entre a vida pública e a vida privada revela aspectos da existência que evoluem e que em cada período histórico revelam, ao mesmo tempo, expressivas permanências e ostensivas modificações. Sem o menor exagero, segundo João Alexandre Barbosa, é cabível afirmar que se trata de ensaios escritos por quem convive familiarmente com a história cultural, com a sociologia do conhecimento e com a antropologia filosófica, sabendo, no entanto, evitar a erudição de superfície, relendo certos autores a partir do ângulo crítico assumido pela invenção de um modo de apreender o tema. É o caso de Ortega, é a admirável defesa que faz de Mannheim, é a própria retomada de Hegel ou mesmo a elegante referência ao grande Bachelard. Esse talvez seja o maior e central interesse deste livro: encontrando uma imagem aglutinadora - o jardim e a praça -, Saldanha foi capaz de soltar-se numa prosa ensaística que integra erudição e imaginação crítica. Ou, para dizer com Pascal - um autor que ele também menciona - vinculando o esprit de finesse ao de geométrie.